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17 de dez. de 2006

SE EU SUBIR NA VIDA (...)

Toda subida cansa. Deve ser por isso que muitos desistem. Não é à toa que ninguém está a fim de subir escadas. A não ser aqueles que querem se exercitar um pouco... Mas é isso. Todo dia o cansaço me faz questionar: trabalho para subir na vida? Mas será que existe felicidade nas alturas? Aonde vou parar? Será que quando chegar lá em cima saberei o que fazer? Descer talvez? Não sei. Se soubesse acho que ficaria parado, congelado na leveza do ócio... Afinal, subimos ou achamos que subimos? É... e sempre queremos ir mais e mais alto. Será que quando eu subir na vida ela não vai querer me derrubar? Pode ser daí que surgiram os versos “deixa a vida me levar, vida leva eu...”. Bom, se um dia eu conseguir subir na vida, vou convidá-la para dançar. Acho-me pesado demais para ser carregado. Não me sentiria bem com isso.
E assim sigo ébrio pelo mundo, vivo frugalmente e caminho apenas cinco milésimos de segundo mais rápido que uma tartaruga. Espero que quando estiver lá no alto, a vida saiba dançar...

VANDERSON PIRES

10 de dez. de 2006

GRANDES HOMENS(?)

"Em nosso século, o 'grande homem' pode ser, ao mesmo tempo, uma boa besta." (Nelson Rodrigues). 



Um novo "populismo" (re)surge na América do Sul. 

Só que agora oriundo da (ex)esquerda e sob a liderança da tríade Lula-Chavez-Morales. 

Augusto Pinochet livrou-se dos estertores e da justiça chilena. Faleceu hoje aos 91 anos de idade. 

Mas o velho tirano ainda precisaria de mais uns dois séculos para responder pelas atrocidades que cometeu durante o período em que governou o Chile. 

Quanto a Fidel, não temos idéia de como está. Mesmo após sua morte, a história nunca o absolverá completamente. 

E ao norte destas terras americanas, o império e seu comandante belicista. 

Um arremedo da humanidade. Talvez a constatação de que nem todo bípede implume seja um ser racional.

Mais alguém? 

CAETANO PROCOPIO

4 de dez. de 2006

BRASIL, PAÍS DO FATURO

O Millor disse tudo!

Esta é a terra onde “pra tudo dá-se um jeito”.

Os primeiros portugueses que aqui chegaram há pouco mais de 500 anos vieram pilhar o território.

E deixaram o legado, este sim, uma herança maldita.

No Brasil, as coisas sempre se resolveram assim, no “jeitinho”.

Que bom seria se conseguissemos viver sem essa “cordialidade informal”

Quem sabe a piada do Millor até perderia a graça.


CAETANO PROCOPIO

28 de nov. de 2006

CARTOLA

“Devias vir
Para ver os meus olhos tristonhos
E quem sabe sonhavas meus sonhos
Por fim”


Angenor de Oliveira nasceu no Rio de Janeiro, trabalhava de pedreiro e sempre era visto usando um chapéu-coco. Ele dizia que assim evitava que o cimento caísse em seu cabelo. Logo os colegas de profissão lhe deram um apelido, Cartola.

Não demoraria para que Angenor descobrisse que sua história não seria feita em construções e andaimes. Na dura trajetória de quem vivia o dia-a-dia do morro, relevou as lições de cavaquinho que aprendera com o pai. Tornou-se sambista... um dos maiores.

Algum tempo depois, ele e o grande amigo Carlos Cachaça fundam uma escola de samba no morro da Mangueira. Como ali era o ponto inicial do trem que vinha do subúrbio, nasceu a Estação Primeira de Mangueira. As cores foram sugeridas por Cartola. Quando diziam que elas não combinavam ele explicava: “O verde representa a esperança, o rosa representa o amor, como o amor pode não combinar com a esperança?”

Aparentemente, a riqueza poética das letras e o tom melancólico das melodias exprimiam uma sensibilidade que contrastava com a rudeza da vida humilde que levava. Cartola foi uma legítima voz do morro e soube muito bem traduzir, como uma súplica, o sentimento de dor e consternação dos renegados.

Muitos o gravaram e se fizeram notar com o talento dele. Poucos lhe deram o devido reconhecimento. Cartola só gravou o primeiro disco em 1974, aos 65 anos. Depois foram apenas três. Quase nada para um artista de tão grande inspiração. Compôs sambas imortais como As Rosas Não Falam, O Mundo é um Moinho e Peito Vazio.

Angenor de Oliveira morreu em 30 de novembro de 1980 - Cartola imortalizou-se numa das mais belas obras da música brasileira.

“Nada consigo fazer
quando a saudade aperta
Foge-me a inspiração
Sinto a alma deserta”

“Um vazio se faz em meu peito
e de fato eu sinto em meu peito um vazio
Me faltando as suas carícias
As noites são longas e eu sinto mais frio...”
(PEITO VAZIO)

CAETANO PROCOPIO e MARCELO TEIXEIRA

19 de nov. de 2006

O MAJOR GALOPANTE

Pra quem nunca ouviu falar, Ferenc Puskas foi um dos maiores jogadores que o futebol revelou. Um Pelé ou um Maradona dos anos 50. Baixo, meio gordo, mas quando no gramado, a falta de forma física se mostrava irrelevante.

O grande atacante argentino Di Stefano (ídolo do Real Madrid nas décadas de 50 e 60) chegou a dizer que foi o jogador mais mortal que conheceu. Ele certamente tinha razões pra afirmar. Ambos jogaram juntos por vários anos e transformaram o time merengue num dos maiores esquadrões ja vistos.

Desnecessario ficar aqui relembrando a trajetória de Puskas. Quem o viu jogar, jamais se esquecerá; quem não, apenas conhecerá as histórias de seus feitos. Infelizmente, hoje nos restam apenas uns poucos videos em preto e branco.

Se eu acreditasse em vida após a morte, certamente diria que ele estaria se juntando a Mané Garrincha, Zizinho, Didi entre tantos outros craques para formar um time dos sonhos no céu. Como não creio, só posso dizer que o futebol perdeu definitivamente uma de suas maiores legendas.


CAETANO PROCOPIO

6 de nov. de 2006

A MORTE DE ALFREDO


O pequeno Totó não se desgrudava de Alfredo. Vivia o tempo todo atrás do velho projetista do Cinema Paradiso. De tanto acompanhá-lo acabou aprendendo o ofício. Não fosse isso, a pacata cidadezinha de Giancaldo na Sicília estaria privada de sua principal diversão. Alfredo ficou cego num incêndio que destruiu o Cinema e como não havia mais alguém capaz de manusear o projetor, terminou por substituí-lo. E por muito tempo.

Mas o menino cresceu e um dia é chegado o momento da partida, quando o lugar onde surgimos já não mais acomoda nossos sonhos. Seguindo o conselho do amigo que tanto lhe ensinou, foi-se embora para ganhar o mundo e deixar de vez aquele lugar esquecido. Muitos anos se passaram desde a sua partida. Jamais voltou. Adquiriu fama, tornou-se um rico e famoso cineasta na capital.

Certa noite, uma bela mulher que o acompanhava no leito, atende ao telefone. A notícia de que Alfredo havia falecido. A partir daí, toda uma história ressurge como se fossem as velhas imagens do projetor. Não mais Totó, mas agora, o renomado cineasta Salvatore Di Vita está de volta a Giancaldo. Lá se depara com as lembranças de um passado remoto. Acossado por tantas recordações assiste a demolição das ruínas do antigo cinema. Descobre que uma parte importante do seu espírito havia permanecido naquele pedaço da Sicília. Foi onde viveu alegrias, tristezas e descobertas: conheceu o amor, a amizade. Num dia longínquo decidiu abandoná-lo. Desde então, nunca mais experimentou tais sensações.

A morte de Alfredo fez despertar esses sentimentos perdidos e lhe revelou o enorme vazio em que se transformaram seus dias. A notoriedade trouxe a riqueza, o reconhecimento, porém, roubou-lhe todas aquelas emoções que um dia fizeram seu espírito pulsar.

De Giancaldo restou somente essa saudade incontida, um doce idílio na memória.

CAETANO PROCOPIO

30 de out. de 2006

LULA LÁ (...) DE NOVO

Era próximo do meio dia quando fui até minha seção eleitoral votar.

Estava um clima tranquilo.

Cheguei, segui o protocolo e me dirigi até a cabina.

Digitei os dois algarismos.

A urna indicou (...) número errado!

Confirmei!

Imediatamente o sinal sonoro soou (...)

Peguei meu título junto com o comprovante e deixei o local de votação.

Em casa, as primeiras pesquisas de boca de urna indicavam Lula reeleito.

Agora, altas horas, tudo definido.

E lá se foi mais um domingo.

Igual a tantos que já passaram.

Em outros tempo, poderia ter sido diferente, mas (...)

Infelizmente só me resta mesmo dormir (...)


CAETANO PROCOPIO

24 de out. de 2006

MANUAL DO SENSO COMUM

Certifique-se que seus pensamentos são normais. Se por algum instante você sentir vontade de brigar por algo que não seja, dinheiro, futebol e posição social, pare, respire e ligue a TV, de preferência no horário nobre. Isso irá tranqüilizar e entreter.
Tente ser sempre feliz. De preferência, ajude alguma instituição de caridade e acredite que essa é a sua contribuição para melhorar o mundo. Tente imaginar que você é um anjo na terra com uma missão especial.
Acredite em vidas passadas. Tente saber que personagem você interpretou. Se descobrir que foi uma bruxa que bebia sangue ou um rei que lutava contra a inquisição, deleite-se.
Nunca se exaspere. Seja sempre resignado com a vida. O paraíso, quando você morrer, será a recompensa tão sonhada. Mas, quando estiver no trânsito estás liberado do pecado. Xingue muito e acione a buzina sempre que puder. Isso traz alívio imediato. Não esqueça de contar aos amigos sobre suas brigas automobilísticas. Você se sentirá mais você.
Use sempre frases de efeito, elas são o código maior de compreensão do senso comum.
Limite-se a enxergar apenas aquilo que seus olhos vêem.
Acredite que o voto é o ápice da democracia e faça dele a sua bandeira de campanha social.
Use sempre a copa do mundo como sinônimo de patriotismo e faça desses esportistas verdadeiros heróis da pátria.
Tente ler algo. Mas não muito, pois a leitura vai incutir um vírus destruidor no seu cérebro e você poderá sentir fortes dores de cabeça. Limite-se a revistas semanais e a literatura de auto-ajuda. Com pequenas doses você será capaz de se comunicar com boa parte da população e sempre estará bem informado. Lembre-se: informação é tudo nos dias de hoje!
Siga corretamente essas instruções. Se deus quiser, tudo dará certo, porque o caminho do justo é estreito e de difícil acesso.

VANDERSON PIRES

8 de out. de 2006

SEGUNDO TURNO

No primeiro turno a diferença entre Lula e Alckmin foi menor que a esperada.

Apesar de pequenas, as votações de Heloisa Helena e Cristovan Buarque acabaram ajudando o tucano chegar ao segundo turno.

Grande mesmo foram as abstenções, os votos brancos e nulos: 25%.

Ou seja, 1/4 dos eleitores ou nem votaram ou quiseram ninguém.

Um percentual considerável.

No segundo turno é possível que se repita.

Na cena principal, agora a disputa é apenas entre Lula e Alckmin.

Quem ganhar já começará um governo de 12 anos.


CAETANO PROCOPIO

A BOLA DA VEZ

Quase sempre uma eleição acaba consagrando alguém pelo voto de protesto.

Talvez o mais inusitado tenha sido o rinocerente cacareco, que na eleição de 1960 recebeu mais de 100 mil votos como vereador em S. Paulo.

Em 2002 Enéas Carneiro ecoou seu bordão “Meu nome é Eneeeas!”. E lá se foram mais de 1 milhão de votos. Um recorde para deputado federal.

Agora é a vez de Clodovil Hernandes, com seus quase 500 mil votos.

O curioso é que a expressiva votação do costureiro acabou levando à Camara, um coronel da polícia aposentado.


CAETANO PROCOPIO

1 de out. de 2006

O PT E BOBBIO

Em janeiro de 2.004 Aloísio Mercadante discursou da Tribuna do Plenário do Senado reverenciando Norberto Bobbio em razão da sua morte.

Creio que o líder petista não teria o mesmo ímpeto se o ilustre pensador italiano tivesse falecido há uns 20 anos. Não que ele desmerecesse as homenagens, mas digamos que elas seriam vistas com desconfiança por um partido que naquela época ainda vicejava a idéia de aprofundar a luta de classes no Brasil. Só que os velhos tempos de oposição já não existem mais. Agora o PT-situação dissipou seus matizes. Recolheu bandeiras históricas, arrefeceu o discurso e desfigurou a postura incorporando práticas que durante sua existência repeliu com vigor. A reverência de Mercadante a Bobbio, que seria até natural se vinda de algum pontífice tucano, por exemplo, não causa espanto em mais ninguém.

A dimensão do viés petista está explícita na própria crise aberta com o PSDB. O governo ainda insiste na crítica enfadonha à “herança maldita” que, na prática, continua mais viva do que nunca. A oposição tucana cobra mudanças políticas que jamais promoveu enquanto situação. O PT tentou desesperadamente livrar seu governo das investigações parlamentares. Justamente o partido que até pouco tempo defendeu a criação de inúmeras CPI(s). O PSDB busca de todas as formas instalar CPI(s) para investigar a administração petista. O mesmo partido que sempre se opôs à formação de Comissões Parlamentares durante os 8 anos de governo FHC.

Francisco de Oliveira definiu muito bem o real sentido dessa troca de farpas, como sendo uma disputa entre dois irmãos que se odeiam. PT e PSDB agem como se fossem adversários, mas, no fundo, são muito parecidos, tanto nas concepções, quanto nas ações (e omissões).

O PT original não se valia de Bobbio como faz o atual. Mas não foi Bobbio quem precisou renunciar ao passado.

CAETANO PROCOPIO

21 de set. de 2006

VOTO NULO, UM DIREITO DEMOCRÁTICO

Dentro do estruturalismo de cada um, as palavras ecoam seus sentidos diversos, onde todo discurso tenta compor uma parte da história.São verdades atemporais que envenenam, manipulam e transformam os indivíduos.
Somos assombrados pelo fantasma da idéia mentirosa da democracia. Ainda acreditamos que nesse quadro não somos apenas meros espectadores, e sim, protagonistas em horário nobre.
Por conseguinte, criam-se verdadeiros revolucionários de campanha eleitoral, todos prontos e armados com seus argumentos e o orgulho momentâneo de ser um “cidadão consciente”.
Infelizmente, esses, após as eleições, voltam à tranqüilidade do discurso conservador, mesmo tendo expressado idéias eleitorais, que são dignas de comparação ao fanatismo religioso.
Dessa forma, mantemos a combinação atual de duas estruturas inseparáveis uma à outra, a força produtiva (a subjugada) que trabalha toda a vida, sem causa, e que mantém uma minoria dominante. Daí chegamos aos seguintes números: pouco mais de 200 pessoas, em um mundo com mais de 6 bilhões, detém de 45% de todo o dinheiro que existe.
Mas, mesmo nessa lástima, o escapulário traz a fé e, de tempos em tempos, esperamos uma mudança vinda de um messias na terra. Um ser iluminado que vai transformar toda a realidade para assistirmos, na comodidade do lar, o mundo perfeito exibido pela TV.
E assim, elegemos nossos “representantes”, delegando a eles as responsabilidades que cabem somente a nós. E no entanto, as promessas, que por anos e anos são as mesmas, e que na verdade são apenas direitos básicos de todos, saúde, educação, moradia etc, se transformam em comédia diária. A única reação que tenho quando vejo alguma propaganda política é o riso. Chega desses discursos lugar-comum, basta!
Não há como haver uma mudança substancial onde a relação da produção capitalista transforma cada vez mais a maioria da população em miseráveis. Não adianta escolher o “menos pior”. A que ponto chegamos?? Eu não quero ser representado dessa forma. Tenho o direito de escolher ou não. Afinal, esse não é o cerne da democracia?
Temos que nos educar por meio da liberdade. Se não consigo encontrar um candidato capaz de mudanças, tenho o direito de não escolher. Isso não me tira a responsabilidade e nem me abstém de coisa alguma, pelo contrário, contribui ainda mais para minha autonomia, onde a maior conseqüência recai sobre a solidariedade. Todos nós temos o poder da mudança social. Não podemos acreditar que uma eleição seja realmente a solução para os problemas sociais. E é isso que acontece. Existem outras formas de pensar o mundo. O mundo não se resume a ditaduras ou democracia. Pensarmos somente nessas duas formas como opção é obscurantismo.
Ver o país nesse estágio deprimente de injustiças me faz por em dúvida nossa capacidade de discernimento. E, já que não sabemos o que é melhor para nós mesmos, voltamos ao estado primitivo da consciência. Isso faz nascer as “raposas do poder”. Nós os criamos com o voto.
Compactuo com a fala de Errico Malatesta, onde ele diz que não incide no basismo segundo o qual “as massas têm sempre razão” ou “a voz do povo é a voz de deus”. Faz-se necessário, como objetivo, lutar para que as pessoas se libertem e consigam ver a luz ao invés de somente sombras.
Por isso, não vou votar em ninguém porque não me reconheço nesses pseudo- representantes do povo. Tenho esse direito e ninguém poderá julgá-lo com frases de efeito e nem me acusar de não ser cidadão, pois, como diz Deleuze: “a vida ativa o pensamento e o pensamento, por seu lado, afirma a vida”. E eu procuro afirmar a vida de acordo com as minhas responsabilidades, não delegando a ninguém o direito de escolher o que é melhor para a minha vida.

VANDERSON PIRES

10 de set. de 2006

NOVAMENTE 11 DE SETEMBRO

Acabava de chegar em casa, quase meio dia. A TV ligada no noticiário em “edição extraordinária”. Num primeiro momento não consegui perceber o que estava acontecendo. A voz atônita do apresentador e as imagens de um edifício em chamas. Notei que era uma das torres gêmeas de Nova Iorque. A outra já estava no chão. De repente a segunda desaba. O narrador não consegue manter a placidez e aflito ecoa: “meu Deus, esta caindo!”.

As cenas dos aviões se chocando com os prédios me impressionaram profundamente. Por um instante tentei imaginar o que seria estar em Nova Iorque, ao lado daquelas pessoas desesperadas, desnorteadas com o mundo desmoronando sobre suas cabeças.

A todo momento me indagava como tudo aquilo poderia estar acontecendo. Depois das explicações, razões, justificativas, exaustivas repetições e ilações, nada, nenhuma luz ou compreensão que pudesse me satisfazer.

Comecei imaginar nossas vidas, cidades, as maravilhas do mundo moderno. Para quê? O que representa tudo isso se dia a dia nos matamos?

Só então pude perceber que quando caíram as duas torres, muito mais que o prestígio, a pujança e a soberba norte americanas, foram abaladas. Era nossa própria civilização que estava sendo soterrada nos destroços do WTC. Nosso mundo de aparências ruía, nossa felicidade insensata agora se tornava uma agonia sem fim.

E vejam só, não é que Nietzsche, mesmo perturbado pela demência progressiva, há tempos nos avisara sobre a falência das certezas seculares que insistimos perpetuar. A civilização crista-ocidental padece dos males e dilemas que ela mesma criou.

E aqui neste lamento, vivo a complacente e irreal tranqüilidade do meu convívio e, novamente, vejo passarem as imagens daquele 11 de setembro de 2.001.

CAETANO PROCOPIO

11/09/1973 – O VIÉS

O 11 de setembro possui um viés para os norte-americanos.

Eles jamais poderão se considerar unicamente vítimas deste fatídico dia.

28 anos antes das torres gêmeas sucumbirem em Nova Iorque, os Estados Unidos ajudaram promover um golpe de Estado que depôs o governo do presidente Salvador Allende.

E por quase 17 anos, o Chile viveu sob a sombra de uma das mais sangrentas ditaduras da América do Sul.

A história é assim, nem sempre os carrascos são apenas carrascos e as vítimas, somente vítimas.

CAETANO PROCOPIO

31 de ago. de 2006

O "GRANDE ALMA"

Uma velha e empoeirada enciclopédia geográfica guardada na estante de madeira do escritório de casa assaltou-me de curiosidade. Há anos a via ali, plácida, sempre no mesmo lugar sem nunca ter alguém a folheá-la.

Certo dia resolvi enfrentar o pó e o forte cheiro da naftalina usada para espantar as indesejadas baratas que costumavam passear pelo cômodo. Desbravei aquelas páginas ainda coladas do prelo e entre dados, informações históricas e fotos, uma imagem em preto e branco, um pouco desgastada pela idade, me chamou a atenção. Era uma fotografia de Mahatma Gandhi deixando um veículo estacionado à frente do Palácio Sait James na chuvosa e fria Inglaterra, onde seria realizada uma conferência para discutir questões relativas à independência da Índia, em 1931. Vestia singelos trajes indianos em contraste com os solenes e indefectíveis sobretudos de alguns transeuntes que o observavam sob o soturno clima das ilhas britânicas.

Gandhi foi educado na Inglaterra para ser um advogado promissor, mas abandonou as expectativas de um futuro cintilante no centro do mundo e preferiu olhar para a tragédia de seus conterrâneos. Despiu-se de tudo aquilo que representava a escravidão do seu povo, voltou para seu país. Lá ele se viu no espelho. Lá estava sua vida, sua história. Ele sabia que a Índia só se livraria do jugo colonial caso se despojasse por completo de todos os ranços que a ligava ao passado da dominação estrangeira.

Nunca mais me esqueci daquela figura delgada de aparência tísica mas que no seu espírito se mostrava um colosso imbatível. Aquela imagem jamais me abandonou. O significado da sua luta pela libertação vai muito além dos parcos limites da nossa compreensão cotidiana, insípida e superficial. Gandhi buscou nas suas próprias raízes uma justificativa capaz de assegurar um futuro possível àqueles que não possuíam sequer a expectativa de sonhar.

CAETANO PROCOPIO

22 de ago. de 2006

O MENDIGO

Não há muita novidade em estar vivo.
Pelo menos é assim para muitos
E, Ele caminha pela vida.
Quando a invasão de carros suja a cidade.

E o chamado "cidadão de bem"
Aciona sua ira no grito demente da buzina
Na pressa incansável dos dias.
Dois cachorros o acompanham no seu caminho contínuo

Na sombra de uma ampla árvore, descansa uma lixeira
E é lá que fica o descartável!
No amontoado de dejetos, ele para e procura.
E a busca segue viagem ao desconhecido.

Ele rumina o lixo e ameniza a podridão
E os ecológicos deveriam preservá-lo.
E, no plexo solar do mundo todo azul
O cheiro fede, arde e queima.

Os cachorros ladram para a caravana dos automóveis
Levados pelo instinto.
As calçadas pisadas por pés cegos proliferam frases rudes,
Contra o dia que segue calado... as horas vitais e nem sempre necessárias.

Num gole d’água, sedento, o soluço desperta a desgraça,
De viver por estar vivo, sem culpa e sem vontade.
As moedas ganhas são respingos da sujeira diária
Dos setecentos gramas de lixo que produzimos diariamente.

Bitucas de cigarros amenizam qualquer coisa.
Na cor opaca do papelão ele sonha algo colorido?
Na garrafa ardente ele quer comemorar
Como os gentis comemoram no final da tarde.

Na essência da humanidade, ele puxa a carroça
Anda na contra mão, de pés descalços, como muitos naturalistas cult
E uma parte dele é chamada de loucura.
Talvez seja o lado que a solidão matou.

E o cristão diz: a culpa não é minha.
Cimenta espaços sob os viadutos
Na esperança (todo cristão se alimenta dela)
Dele desaparecer com o vento.

Mas, o vento é sábio e não tem lado.
Sopra na cara, e foge.
Arrepia os pelos dos cachorros, enche os olhos do cristão de terra
E empurra a carroça nas subidas do desgraçado filho do lixo.

Cuja liberdade é plena.
Sem códigos de identificação
Sem marca passos no coração
Na vida que as vezes é pequena demais.

VANDERSON PIRES

UMA PROPOSTA IRRECUSÁVEL


“Vou lhe fazer uma proposta irrecusável”. Esta era a frase que normalmente decidia uma discussão de negócios de Vito Corleone. O resultado, quase sempre, um banho de sangue. Difícil crer que a mesma pessoa que afagava o pequeno Michael com tamanha candura fosse um temível assassino.

O “Don” possuía suas regras. Os “negócios” jamais poderiam adentrar pela porta da frente da casa. E como um bom patriarca, sua preocupação sempre foi a de viver em função da família. Ela deveria estar protegida a todo custo. Mas nem tudo saiu conforme o planejado pelo velho Corleone. Santino, o seu primogênito, acabou assassinado por mafiosos rivais numa emboscada. Quando se recusa uma proposta, dificilmente há outro desfecho.

A morte do filho rompeu com uma tradição siciliana na sucessão do poder e o cetro acabou sendo entregue ao caçula após a aposentadoria do “padrinho”. O sucessor, Michael Corleone, era um homem onipotente que não só apreendeu as lições deixadas pelo pai como conseguiu expandir os “empreendimentos familiares” muito além dos limites suburbanos de Nova Iorque. Impôs uma forma de negociar ainda mais implacável. Extremamente frio, calculista, jamais hesitou exterminar aqueles que ousaram atravessar seu caminho, inclusive o irmão Fredo, que lhe causou sérios aborrecimentos quando, ingenuamente, tentou interferir nos “assuntos da família”. Não possuía limites para a barbárie. No fundo, um ser solitário, completamente árido de sentimentos e embrutecido pela lógica perversa do crime organizado. Seu caráter cruel só começa a se desfazer no terceiro episódio da saga quando, atormentado pela culpa de seus assassinatos, mostra-se um homem frágil e angustiado.

Viveu obstinadamente o sonho paterno de livrar a família da ignomínia de mafiosa. E quase conseguiu redimi-la do passado criminoso. O golpe decisivo para legalizar as “empresas Corlone” se deu através de uma proposta milionária de associação com a poderosa companhia imobiliária do Vaticano. Mas novamente se deparou com os conhecidos “métodos” praticados no “submundo” e acabou impedido pelos “conselheiros” papais de concretizar a negociação. A realidade dos negócios é mais abjeta do que ele poderia supor. Nem mesmo a Santa Sé estaria imune.

Após décadas, “O Poderoso Chefão” não alcançou o desejo de seu pai manter a família protegida dos “negócios”. Ao contrário, suas escolhas acabaram impondo perdas absolutas: irmãos, mulheres, filha, enfim, a própria família. Terminou seus dias recolhido no mais profundo isolamento, não lhe restando algo além da morte solitária onde tudo começou, no interior da Sicília.

CAETANO PROCOPIO

6 de mar. de 2006

MAS NÃO SÃO PATOS?

Faz tempo! A década de oitenta nem havia terminado. Eu ainda cursava o primeiro dos oito semestres do curso de geografia (só terminei o primeiro!). Voltava da faculdade para casa na companhia de meu amigo Emílio. Descemos do ônibus no espigão da paulista e seguimos pela Bela Vista em direção ao centro. No caminho, conversávamos várias coisas (...) a possibilidade de o Lula ganhar a eleição presidencial no final daquele ano (...) a chatice das aulas (...) sobre nossas vidas interioranas (o Emílio era de Jacareí e eu de Araçatuba).

Quando nos aproximamos da Rua da Consolação, ele avistou uma loja de animais na esquina. Lembrou-se que precisava de um livro com dicas de como cuidar de aves. Na entrada da loja havia dois marrecos que pertenciam ao dono do estabelecimento e que transitavam de um lado pro outro beliscando alguns grãos esparramados na calçada.

Logo depois da compra, saímos. Neste exato momento um casal passava pelo local admirando os dois ovíparos. E de repente, o Emílio, que astutamente observava os passantes, solta um grito: UAU! DUAS GALINHAS! O casal que acabara de passar volta os olhos com expressão de espanto. Um deles indaga ao outro: UÉ, MAS NÃO SÃO PATOS? Rimos ininterruptamente da inocência dos dois, por mais alguns quarteirões, até que nos separamos.

Recordando a reação inusitada do casal, imaginei o quanto ela havia exaltado o meu orgulho provinciano (eu, um caipira, esbaldei-me com a ignorância dos cosmopolitas!). Mas hoje, pensando naquele incidente, só consigo chegar a uma conclusão: a de que mesmo numa cidade que insiste em nos mostrar a face mais crua das pessoas, ainda assim é possível se encontrar algum reduto de uma ingenuidade há tempos perdida.

CAETANO PROCOPIO

O PONTO DE ÔNIBUS

Uma fila imensa no ponto do ônibus da Praça da República. Esperava o famigerado Butantã-USP. Todos que passavam estavam lotados, um após o outro. E eu preocupado com a aula de Cartografia. Diabos! Não poderia perdê-la!

A garoa, velha conhecida do universo paulistano, parecia um copioso pranto (Não quis levar o guarda chuva que minha tia havia separado. Morava ali pertinho do Largo do Arouche e achei que não me molharia até chegar à pequena cobertura do ponto. Ilusão de um interiorano na capital!). A chuva me ensopando (...) os ônibus lotados (...) a aula de Cartografia (...) tudo me impacientava. Eis que, repentinamente, uma senhora com uma capa de chuva escura que a cobria da cabeça ao tornozelo aproximou-se de mim. Percebi que me observava. Logo se postou ao meu lado e me indagou se iria até a cidade universitária. Disse que sim, mas estava muito preocupado com a aula, por causa do atraso.

Sem muita cerimônia, ela começou a me confidenciar que iria visitar uma irmã naquelas redondezas, ali nas imediações do Butantã. Adorava o ambiente e as pessoas daquelas bandas. Ela dizia que não suportava mais morar naquele centro decadente, cheio de sujeira, pessoas dormindo amontoadas nas portas, bêbados, prostitutas e toda sorte de degredados.

Eu, irritado com a chuva me molhando, o ônibus que não vinha (...) a maldita aula de cartografia (...) os professores chatos (...) a política universitária autoritária do reitor (...) e ainda tendo que ouvir um monte de sandices já pela manhã.

Não tardou para que ficasse farto daquela situação (...). Dei às costas sem falar uma palavra e parti (...). Mas não sem antes ouvir uma última indagação (...).

- EI? AONDE VOCÊ VAI? E A SUA AULA?

- PREFIRO A SUJEIRA DO LARGO DO AROUCHE!

CAETANO PROCOPIO

1 de fev. de 2006

LUZ

Luz, luz, eu quero luz!
Mas não as luzes que acendem, não as luzes que se apagam. Quero um caminho para a liberdade.
Luz! A mesma do suplício de Goethe na hora da morte. Mas qual seria a sua vontade? Enxergar melhor, ou, a ceguei total, aquela que só um grande feixe forte de luz pode conseguir?
Quero uma leveza inconsciente, porque meu racional está morto. Morto na escuridão.
E se faça a luz, como disse o personagem bíblico. A luz que guia navios. Estou a navegar no escuro, sem rumo, sem direção. Quero um farol que me guie no meio de tanta gente sem luz.
Luz! Que seja a do fósforo, aquela que não se separa do seu criador quando acessa, e que o acompanha até a morte.
Quero um novo sol, que não se aproxime tanto de mim, que não me cause câncer e que não aqueça tanto o meu dia.
Luz com força! Mas que não seja cobrada. Que não me mandem a conta.
E eu morro lentamente à procura de Luz, luz...

VANDERSON PIRES