Total de visualizações de página

6 de mar. de 2006

MAS NÃO SÃO PATOS?

Faz tempo! A década de oitenta nem havia terminado. Eu ainda cursava o primeiro dos oito semestres do curso de geografia (só terminei o primeiro!). Voltava da faculdade para casa na companhia de meu amigo Emílio. Descemos do ônibus no espigão da paulista e seguimos pela Bela Vista em direção ao centro. No caminho, conversávamos várias coisas (...) a possibilidade de o Lula ganhar a eleição presidencial no final daquele ano (...) a chatice das aulas (...) sobre nossas vidas interioranas (o Emílio era de Jacareí e eu de Araçatuba).

Quando nos aproximamos da Rua da Consolação, ele avistou uma loja de animais na esquina. Lembrou-se que precisava de um livro com dicas de como cuidar de aves. Na entrada da loja havia dois marrecos que pertenciam ao dono do estabelecimento e que transitavam de um lado pro outro beliscando alguns grãos esparramados na calçada.

Logo depois da compra, saímos. Neste exato momento um casal passava pelo local admirando os dois ovíparos. E de repente, o Emílio, que astutamente observava os passantes, solta um grito: UAU! DUAS GALINHAS! O casal que acabara de passar volta os olhos com expressão de espanto. Um deles indaga ao outro: UÉ, MAS NÃO SÃO PATOS? Rimos ininterruptamente da inocência dos dois, por mais alguns quarteirões, até que nos separamos.

Recordando a reação inusitada do casal, imaginei o quanto ela havia exaltado o meu orgulho provinciano (eu, um caipira, esbaldei-me com a ignorância dos cosmopolitas!). Mas hoje, pensando naquele incidente, só consigo chegar a uma conclusão: a de que mesmo numa cidade que insiste em nos mostrar a face mais crua das pessoas, ainda assim é possível se encontrar algum reduto de uma ingenuidade há tempos perdida.

CAETANO PROCOPIO

O PONTO DE ÔNIBUS

Uma fila imensa no ponto do ônibus da Praça da República. Esperava o famigerado Butantã-USP. Todos que passavam estavam lotados, um após o outro. E eu preocupado com a aula de Cartografia. Diabos! Não poderia perdê-la!

A garoa, velha conhecida do universo paulistano, parecia um copioso pranto (Não quis levar o guarda chuva que minha tia havia separado. Morava ali pertinho do Largo do Arouche e achei que não me molharia até chegar à pequena cobertura do ponto. Ilusão de um interiorano na capital!). A chuva me ensopando (...) os ônibus lotados (...) a aula de Cartografia (...) tudo me impacientava. Eis que, repentinamente, uma senhora com uma capa de chuva escura que a cobria da cabeça ao tornozelo aproximou-se de mim. Percebi que me observava. Logo se postou ao meu lado e me indagou se iria até a cidade universitária. Disse que sim, mas estava muito preocupado com a aula, por causa do atraso.

Sem muita cerimônia, ela começou a me confidenciar que iria visitar uma irmã naquelas redondezas, ali nas imediações do Butantã. Adorava o ambiente e as pessoas daquelas bandas. Ela dizia que não suportava mais morar naquele centro decadente, cheio de sujeira, pessoas dormindo amontoadas nas portas, bêbados, prostitutas e toda sorte de degredados.

Eu, irritado com a chuva me molhando, o ônibus que não vinha (...) a maldita aula de cartografia (...) os professores chatos (...) a política universitária autoritária do reitor (...) e ainda tendo que ouvir um monte de sandices já pela manhã.

Não tardou para que ficasse farto daquela situação (...). Dei às costas sem falar uma palavra e parti (...). Mas não sem antes ouvir uma última indagação (...).

- EI? AONDE VOCÊ VAI? E A SUA AULA?

- PREFIRO A SUJEIRA DO LARGO DO AROUCHE!

CAETANO PROCOPIO