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28 de nov. de 2006

CARTOLA

“Devias vir
Para ver os meus olhos tristonhos
E quem sabe sonhavas meus sonhos
Por fim”


Angenor de Oliveira nasceu no Rio de Janeiro, trabalhava de pedreiro e sempre era visto usando um chapéu-coco. Ele dizia que assim evitava que o cimento caísse em seu cabelo. Logo os colegas de profissão lhe deram um apelido, Cartola.

Não demoraria para que Angenor descobrisse que sua história não seria feita em construções e andaimes. Na dura trajetória de quem vivia o dia-a-dia do morro, relevou as lições de cavaquinho que aprendera com o pai. Tornou-se sambista... um dos maiores.

Algum tempo depois, ele e o grande amigo Carlos Cachaça fundam uma escola de samba no morro da Mangueira. Como ali era o ponto inicial do trem que vinha do subúrbio, nasceu a Estação Primeira de Mangueira. As cores foram sugeridas por Cartola. Quando diziam que elas não combinavam ele explicava: “O verde representa a esperança, o rosa representa o amor, como o amor pode não combinar com a esperança?”

Aparentemente, a riqueza poética das letras e o tom melancólico das melodias exprimiam uma sensibilidade que contrastava com a rudeza da vida humilde que levava. Cartola foi uma legítima voz do morro e soube muito bem traduzir, como uma súplica, o sentimento de dor e consternação dos renegados.

Muitos o gravaram e se fizeram notar com o talento dele. Poucos lhe deram o devido reconhecimento. Cartola só gravou o primeiro disco em 1974, aos 65 anos. Depois foram apenas três. Quase nada para um artista de tão grande inspiração. Compôs sambas imortais como As Rosas Não Falam, O Mundo é um Moinho e Peito Vazio.

Angenor de Oliveira morreu em 30 de novembro de 1980 - Cartola imortalizou-se numa das mais belas obras da música brasileira.

“Nada consigo fazer
quando a saudade aperta
Foge-me a inspiração
Sinto a alma deserta”

“Um vazio se faz em meu peito
e de fato eu sinto em meu peito um vazio
Me faltando as suas carícias
As noites são longas e eu sinto mais frio...”
(PEITO VAZIO)

CAETANO PROCOPIO e MARCELO TEIXEIRA

19 de nov. de 2006

O MAJOR GALOPANTE

Pra quem nunca ouviu falar, Ferenc Puskas foi um dos maiores jogadores que o futebol revelou. Um Pelé ou um Maradona dos anos 50. Baixo, meio gordo, mas quando no gramado, a falta de forma física se mostrava irrelevante.

O grande atacante argentino Di Stefano (ídolo do Real Madrid nas décadas de 50 e 60) chegou a dizer que foi o jogador mais mortal que conheceu. Ele certamente tinha razões pra afirmar. Ambos jogaram juntos por vários anos e transformaram o time merengue num dos maiores esquadrões ja vistos.

Desnecessario ficar aqui relembrando a trajetória de Puskas. Quem o viu jogar, jamais se esquecerá; quem não, apenas conhecerá as histórias de seus feitos. Infelizmente, hoje nos restam apenas uns poucos videos em preto e branco.

Se eu acreditasse em vida após a morte, certamente diria que ele estaria se juntando a Mané Garrincha, Zizinho, Didi entre tantos outros craques para formar um time dos sonhos no céu. Como não creio, só posso dizer que o futebol perdeu definitivamente uma de suas maiores legendas.


CAETANO PROCOPIO

6 de nov. de 2006

A MORTE DE ALFREDO


O pequeno Totó não se desgrudava de Alfredo. Vivia o tempo todo atrás do velho projetista do Cinema Paradiso. De tanto acompanhá-lo acabou aprendendo o ofício. Não fosse isso, a pacata cidadezinha de Giancaldo na Sicília estaria privada de sua principal diversão. Alfredo ficou cego num incêndio que destruiu o Cinema e como não havia mais alguém capaz de manusear o projetor, terminou por substituí-lo. E por muito tempo.

Mas o menino cresceu e um dia é chegado o momento da partida, quando o lugar onde surgimos já não mais acomoda nossos sonhos. Seguindo o conselho do amigo que tanto lhe ensinou, foi-se embora para ganhar o mundo e deixar de vez aquele lugar esquecido. Muitos anos se passaram desde a sua partida. Jamais voltou. Adquiriu fama, tornou-se um rico e famoso cineasta na capital.

Certa noite, uma bela mulher que o acompanhava no leito, atende ao telefone. A notícia de que Alfredo havia falecido. A partir daí, toda uma história ressurge como se fossem as velhas imagens do projetor. Não mais Totó, mas agora, o renomado cineasta Salvatore Di Vita está de volta a Giancaldo. Lá se depara com as lembranças de um passado remoto. Acossado por tantas recordações assiste a demolição das ruínas do antigo cinema. Descobre que uma parte importante do seu espírito havia permanecido naquele pedaço da Sicília. Foi onde viveu alegrias, tristezas e descobertas: conheceu o amor, a amizade. Num dia longínquo decidiu abandoná-lo. Desde então, nunca mais experimentou tais sensações.

A morte de Alfredo fez despertar esses sentimentos perdidos e lhe revelou o enorme vazio em que se transformaram seus dias. A notoriedade trouxe a riqueza, o reconhecimento, porém, roubou-lhe todas aquelas emoções que um dia fizeram seu espírito pulsar.

De Giancaldo restou somente essa saudade incontida, um doce idílio na memória.

CAETANO PROCOPIO