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31 de dez. de 2008

FELIZ ANO NOVO!

Creio que não exista continente do globo que não possua uma área de atrito, instabilidade política ou mesmo de conflito.

Difícil imaginar a possibilidade dos habitantes destas regiões vislumbrarem um futuro promissor às suas portas.

Hoje a faixa de Gaza está sendo bombardeada por Israel.

Apesar, que tanto agressor quanto agredido não encontrem muito sentido em nosso calendário.

Eu também não, mas daqui a algumas horas estarei me esvaziando na celebração.

Só não consigo deixar de pensar nos mais de 1 milhão de palestinos aterrorizados pelo fogo israelense.

Mas nestes momentos de júbilo coletivo não faltam motivos pra nos esquecermos de tudo aquilo que nos aflige (...)

Feliz (...) ano novo (...)

CAETANO PROCOPIO

9 de dez. de 2008

DO OUTRO LADO DO RIO

Argentina 1952: dois amigos, Alberto Granado, um bioquímico e Ernesto "Che" Guevara, um estudante de medicina, partem numa jornada pela América do Sul. A aventura se inicia sobre as duas rodas da "poderosa", uma motocicleta que mais parece objeto de relíquia. Mas é com ela que nasce uma verdadeira viagem de descobrimento. Na bagagem, o diário de "Che" é o registro dessa odisséia.

A idéia é cruzar o continente, da Argentina até a Venezuela. No percurso, uma estada no Peru para conhecerem um hospital de leprosos cravado na selva peruana. À medida que os peregrinos adentram pelos caminhos andinos descobrem a infortunada realidade daqueles povos. Essa experiência desperta um sentimento de identidade capaz de aplacar a inquietação de viver numa América dividida, apesar dos feitos de Bolívar e San Martin. Na América do Sul, a história ao invés de nos unir nos dividiu. Os dois desbravadores acabam por conhecer as razões dessa disjunção. Da Argentina à Venezuela, no trajeto, cruzam os Andes, o Deserto de Atacama e chegam à região amazônica. A transformação da paisagem sempre encontra os mesmos tipos, os indígenas, massacrados desde que os conquistadores de além-mar aqui chegaram para roubarem suas riquezas. Essa realidade jamais mudou. Teve seu início quando Pizarro decidiu aniquilar o império Inca. De soberanos transformaram-se em parias pelas mãos da "civilização".

O objetivo seria a Venezuela, mas é no Peru onde encontram o verdadeiro sentido que os levaram cruzar o continente: um leprosário no meio da selva. Lá conhecem os renegados e esquecidos do mundo. Doentes, normalmente os mesmos mestiços, excluídos pela intolerância e pela barbárie brancas, mas agora abandonados pela tragédia de suas sinas, separados do convívio comum pelas margens de um rio. O aclamado símbolo de fertilidade desfigurou-se numa fronteira para aqueles desvalidos. E "Che" decidiu derrubar essa barreira e atravessar esse leito que os isolavam. Ali nasce o combatente da Sierra Maestra que, juntamente com Fidel, ajudaria derrubar a ditadura cubana de Fulgêncio Batista anos depois.

Na recôndita selva peruana, do outro lado do rio, o revolucionário encontra sua essência, a resposta para sua inquietação: sentir os anseios dos outros como se fosse o próprio desejo e tentar superar as mazelas de um mundo cruel. Lutar contra todas as formas de injustiças onde quer que elas existam.

CAETANO PROCOPIO

publicado originalmente no site CINETOTAL
http://www.cinetotal.com.br/critica.php?cod=36

3 de dez. de 2008

O DEUS MORTO

Dois dias se passaram. E o vômito não cessava. O mal-estar, a angústia atormentadora... Parecia que nenhum remédio seria capaz de curar aquela situação. Pobre homem! Tudo antes parecia normal.
A vida era igual à de todos. Acordar cedo, ir para o trabalho, sonhar com um futuro melhor. E assim os dias passavam. Como era bom encontrar os amigos para conversar sobre assuntos em que todo mundo finge ser expert: política, futebol, religião, mulheres, a vida... Mas tudo isso sempre acabava em risos e piadas. E quais destas coisas não são dignas de risos e piadas?

Certo dia, um amigo veio convicto lhe falar sobre a importância de se ter uma vida regrada, sem vícios, constituir família, etc. Tinha acabado de conhecer uma garota. Estava apaixonado. Dois anos depois, este mesmo amigo teve depressão e síndrome do pânico. Passou a tomar vários medicamentos, misturava com bebidas alcoólicas...

Sua namorada o havia trocado por um novo amor que ela conheceu em uma viagem. Todos os seus discursos moralistas deixaram de existir. Naquele momento, era insensato querer, seja lá o que fosse, intervir em seu mundo. Mesmo o bom amigo deve ter cautela nas observações, nos conselhos. As opiniões das pessoas são muito variadas. Isso torna impossível um ponto de encontro nas idéias e pensamentos, mesmo diante das concepções mais coerentes e racionais.

Nesta situação, seu amigo era mais uma mente perturbada, incapaz de decidir qualquer mudança, pois sempre nos empenhamos em defender tudo aquilo que está no coração. E o coração é egoísta demais, sempre. Nunca deixa o mínimo espaço para a razão. Cria as convicções. Obriga-nos a carregar bandeiras pesadas e nos faz tropeçar nas contradições. E o mundo do seu amigo havia mudado tão rapidamente...

Outro amigo, o mais inconseqüente, gostava de ostentar sua liberdade. Machista de carteirinha, adorava música, fumava maconha, era ateu, tinha o discurso mais liberal do mundo. Casou-se. Teve dois filhos. E passou a ver a vida de outra forma.

Já uma amiga de infância sonhava em se casar. Ter filhos era a sua meta. Vivia dizendo que nasceu para ser mãe. Chegava a espantar os namorados com este assunto. Até que, com muito custo, conseguiu convencer um rapaz mais novo que ela a se casar. Ela finalmente virou mãe. Já ser pai não era muito o forte do rapaz. Logo se separaram. A criança cresceu sem a presença do pai. Virou um adolescente problemático e cheio de traumas. A amiga ainda pensa em se casar de novo e ter mais filhos...

Estas histórias começavam a gritar em sua cabeça. Mas Ele não tinha nada a ver com isso. Sua vida não tinha tomado nenhum destes rumos e Ele amava a todos da mesma forma e se preocupava com eles.

Mas as dores de cabeça só aumentavam. Pediu uns dias de descanso do trabalho. Não conseguia se levantar de sua cama. Ainda não tinha contado nada a ninguém, pois não queria levar seus problemas para os outros. Ainda mais por não saber o que estava acontecendo. O médico disse que era estresse do trabalho, mas Ele não estava nada estressado. Aliás, nunca esteve.

Entretanto, era inevitável fechar os olhos e achar aquilo tudo normal. Sem julgar o que é certo ou errado, parecia que as angústias daquelas pessoas passaram a ser suas também, como uma penitência por ele ter sido tão livre em seu modo de ser e de pensar.

Esta possível ligação era algo do tipo espiritual e anímica ou era apenas um delírio momentâneo?

Seu corpo tremia de frio. Um frio que mesclava os ares das ruas, das calçadas sujas e escuras. A vida, que antes era tranqüila, tinha agora um peso incalculável.

Várias cenas passavam pela sua cabeça. Coisas que Ele nunca havia se lembrado antes. Sua infância, o retorno ao útero materno, slides de um futuro desconhecido. Trêmulo, adormeceu.

E seu mundo passou a ser um pensamento sem retoque. Nu, verdadeiro e cruel. Seus olhos não eram mais capazes de ver a beleza em nada. Nada!

Acordou depois de algum tempo. Viu em seu celular várias ligações não atendidas. Amigos, trabalho, família, mulheres... Subitamente, arremessou o aparelho contra a parede. Os olhos ardiam. Era como se o corpo o tivesse julgado e a sentença fosse a cegueira. Ele teria de ficar a sós com seus pensamentos. Em poucos minutos, não era capaz de ver mais nada.

Desespero, gritos... Nada daquilo adiantava. Ninguém veio lhe socorrer. Seus amigos estavam muito ocupados com suas vidas. E ninguém se preocupa mais com os outros do que consigo mesmo. Era Ele sozinho com sua mente.

"Onde está a beleza da vida?", pensava. A beleza que nos faz contemplar o prazer que afasta todo o mal. Ele estava acuado em sua própria mente, a mais terrível de todas as prisões. Sabe aqueles pensamentos que temos quando alguém fala algo que não nos agrada? Pois é, eles nunca vão embora. Ficam ali, guardados em algum lugar, quietos, prontos para nos atormentar. A frase não dita, a frase dita... Todo este exército estava pronto para atacá-lo.

Quando parecia sufocante o suficiente, eis que o mal não parava por aí. Sua voz era o alvo seguinte. Em poucos minutos, em seu quarto, repousava o mais insuportável silêncio. Suas pernas também não mais o obedeciam. A mente é o maior inimigo que alguém pode ter. Ela sabe atacar todos os pontos vitais.

Agora Ele era uma presa fácil. O deus preso dentro de si mesmo. E aos poucos, uma luz muito forte se fez presente em seus pensamentos. Tão forte e limpa que, por um instante, Ele achou que tudo voltaria ao normal. Mas esta tranqüilidade passou rápido demais. Esta mesma luz se transformou em um enorme quadro-negro, sem brilho. Ele começou a pensar em seu tempo, quando era capaz de realizar tudo, mas nada realizou.

Era o tempo da libertação sexual, da revolução tecnológica, da liberdade de expressão. E Ele nada mudou, nada fez e nada falou. Viu a vida passar, sem se estressar com nada. Viu que todos ao seu redor também nada fizeram. Pelo contrário. Eles até achavam que suas convicções eram algum feito, que faziam a vida ter sentido... Mas ninguém era dono de si mesmo. Nem Ele, nem ninguém. Todos estavam perdidos na abundância da nova era.

Agora, Ele era prisioneiro da própria selvageria cerebral. E o preço por viver a todo momento com a sensação de ter perdido algo era muito alto. O que significava ter vivido tantos anos? Para quê? E a reflexão era o torturador... E a todo momento vinham fortes dores de cabeça. E estas dores o questionavam se sua vida eram dias de glórias e de coragem ou uma somatória de covardias e medos. À sua memória, veio uma série de situações, em que questionamentos medíocres tentavam sempre justificar a passividade diante dos fatos. A falta de coragem para enfrentar pequenas situações...

Era como uma esquizofrenia. Ele estava envolvido em um relacionamento intenso, no qual duas ordens de mensagem expressavam autoridade vital sobre ele, uma negando a outra constantemente. Ele era incapaz de comentar qualquer coisa que sua mente lhe impunha. Durante algum tempo, lembranças de sua infância o fizeram chorar. Sua mente o havia colocado diante de seus pais, como em uma cena de filme. Eles seguravam uma criança coberta por um véu vermelho opaco. Seu pai, que Ele não conhecia, vestia roupas brancas e tinha os pés descalços. Sua mãe estava nua. Subitamente, o pai, que segurava uma das mãos da mãe, soltou-a e se virou de costas. Em seguida, começou a falar para ele: "Você se fez por meio de mim, mas não saiu de mim, nem da sua mãe. Eu não pertenço a você e nem você a mim. Não me condene porque eu te libertei. Não o coloquei em nenhuma ditadura familiar. Agradeça-me pela minha ausência. Continue buscando seu caminho e não perca tempo com seus medos. A vida corre em um único sentido. Não tente resgatar nada que não existe." Nesta hora, o silêncio interrompeu as palavras de seu pai.

Diante daquela situação, Ele começou a ter elementos para enxergar o erro de amar e odiar o passado como algo verdadeiro e estável. Mas a coragem de enfrentar aquela realidade o fez sorrir. Depois de uma eterna pausa, era como se sua mente respondesse à situação: "Maldito sejas por roubar a minha paz por tanto tempo." E sua mente o havia libertado momentaneamente. A sensação era de que algo havia sido levemente afrouxado...

A natureza não conhece sistemas, nem classificações. Ela possui o instrumento de renovação da vida. O grande instinto que guia igualmente plantas, animais e o homem. Mas Ele fazia parte de um sistema. Um sistema imposto por outros homens. E a natureza havia escolhido um deles para julgar. E Ele foi o escolhido. Ser aprisionado pela própria vida, pelos próprios pensamentos. Era como uma crise de síndrome do pânico em que a vítima não espera por aquilo, mas quando a crise chega, impõe um controle supremo sobre a mente humana. Não importa o lugar, nem o dia e nem a hora, ela domina o dominador, domina a mente, domina o corpo...

Ele estava totalmente sem ação. Encurralado em um labirinto cinzento e sem força nenhuma para voar dali, pois Ele sabia que a melhor forma de sair de um labirinto seria voando...

Todas as quimeras humanas, os anseios vãos, tudo tinha um peso enorme em sua mente. Por instantes, Ele não suportou a pressão mental e vomitou.

Como relâmpagos, novas imagens apareciam. Algo o fez lembrar de uma faxineira que trabalhava em sua casa. De origem muito simples, ela era a submissão em pessoa! Ela parecia tão alegre que Ele achava que a vida daquela senhora era boa. Mas a imagem que lhe foi mostrada em sua mente era diferente daquele pensamento. Esta senhora apareceu em sua frente com o mesmo semblante feliz, mas algo estava diferente. "Você acha que eu era a pessoa mais feliz do mundo? Eu que ter servia em troca de míseros trocados?" Depois de uma pausa e um sorriso cínico, ela disse: "Nenhum ser que serve outro ser é feliz, seu idiota!". E desapareceu.

Sua vida agora era um mundo próprio, a soma absurda de uma infinidade de mundos subjetivos e de experiências vividas, mas não compreendidas. Ele começou a entender o vazio das relações, a falta de humanidade a que somos condicionados a achar normal. As ações da existência pelas quais somos responsáveis, uma a uma. Aquele mundo era sua criação. Ele não suportou. E quem suportaria ver a própria imagem da existência nua e sem cor? Depois de uma forte arritmia cardiovascular, seu coração parou de bater. Ele deixou de ser deus de si mesmo e virou apenas mais um pensamento na mente de todos os personagens de sua vida...

VANDERSON PIRES

22 de nov. de 2008

LÍRIOS DOURADOS

Aos quinze anos, a menina de cabelos negros, bem lisos, tornou-se mais uma das cinqüenta garotas que serviam a um velho homem. A história desta garota é igual a de milhares de outras mulheres, só que a sua alma era diferente. Ela não tinha uma personalidade muito forte, mas seus sonhos eram tão intensos que a faziam ter destaque, mesmo cercada por outras tantas raparigas.
Seu mundo era outro. Nele não havia bonecas nem brinquedos de menina. Mas sua imaginação era forte, lúcida e livre.
Como de costume daquele lugar, o velho bode foi seu primeiro homem. Ele a usou e se renovou com a sua juventude e beleza. A menina entendia o que estava acontecendo e não impôs obstáculos, nem mesmo na primeira noite. Ela procurou sentir prazer, talvez um prazer maior que o do velho. Sua imaginação permitia levá-la a um outro universo.
Ela sabia que em sua vida não poderia haver nenhum tipo de necessidade. Nenhuma necessidade! Para ela não existiam modelos e nem ela serviria de modelo a ninguém. Sua vida se resumia a uma escravidão sexual e terrena, mas não espiritual. Sua alma era leve e serena.
Todos os dias, logo pela manhã, ela lavava roupas na margem do rio com outras tantas mulheres. Os cânticos eram entoados em coro. Às vezes, ela parava e observava as outras. Via naqueles olhares sonhos, esperanças, desilusões... Existia uma resignação coletiva. Isso a fazia pensar em como seria a sua vida dali alguns anos.
Uma destas mulheres, de rosto marcado e castigado pelo sol, era a mais velha de todas. Aparentava ter vivido uns 65 anos, mas na verdade foram apenas 45. Seu nome era Laura. Sem muitas explicações, Laura e a menina passaram a ser grandes amigas.
Laura era uma das primeiras mulheres aliciadas pelo bode velho. Sábia e muito viva, aprendeu a ler e escrever. Quando questionada pela menina sobre como suportava tanto tempo vivendo naquelas condições, uma breve pausa se fez: "A leitura e a escrita libertaram minha alma." A menina, sem entender muito bem o que aquilo significava, foi capaz de captar o sentimento da velha mulher e chorou... Juntas, elas se abraçaram.
Laura começou a ensinar a menina a ler e escrever. Agora, as noites de prazer do velho, eram intercaladas com saraus e muitas histórias de diversos livros. Laura, pela primeira vez na vida, estava feliz. Contava com imensa alegria tudo que sua alma guardava por todos estes anos.
Dentre estas várias histórias, uma teve mais repercussão. Contou Laura que, em um país muito distante dali, existiam mulheres como elas. Estas mulheres eram chamadas de concubinas. Eram as filhas da China. Só que, ao contrário da realidade das meninas, lá os homens mais novos se casavam com mulheres mais velhas. Era tradição daquele lugar, mulheres ajudarem a criar seus maridos. Todas ficaram inquietas com este detalhe da história. Pareciam entender o papel da mulher neste mundo dominado pela força.
Diante destes detalhes, as várias mulheres estavam atônitas ouvindo com muita atenção as palavras da sábia. Laura continuou a contar a história. Dizia ela que neste país, as mulheres, a partir dos dois anos de idade, tinham seus pés enrolados por faixas, para que não crescessem mais que oito centímetros. Os "Lírios dourados de oito centímetros". Os homens da China admiravam isso, pois a visão de uma mulher oscilando por ter os pés pequenos demais, tinha um efeito erótico. A vulnerabilidade das mulheres provocava um sentimento de proteção nos homens. Todos os ossos dos pés eram quebrados e a maior parte das mulheres submetidas à prática desmaiavam de tanta dor.
Nesta hora, todas começaram a falar sobre este detalhe que para elas se mostrava tão cruel. Parecia que, neste momento, elas se sentiam mais leves... Mesmo sendo expostas à escravidão sexual, o fato de não serem submetidas a este tipo de prática trouxe um alívio momentâneo. Imaginar os pés esmagados para agradar os homens parecia uma coisa sem nenhum sentido prático.
Laura, em um discurso inflamando, começou a falar: "Estes senhores do mundo são apenas meros animais de nossa fauna. Eles não sabem dançar à noite sob o luar, não sabem amar a própria carne de seus corpos, não sabem demonstrar nenhum sentimento, só querem o poder, só querem mandar e ser servidos. Mulheres, tenham piedade de nossos vencedores, porque eles são fracos em espírito e ingênuos de coração".
Este momento foi o mais mágico para a menina de cabelos longos. Ela fechou os olhos e imaginou que seu mundo poderia ser outro. Em seus pensamentos, um lindo corcel negro vinha correndo em sua direção. Ele trouxe em sua boca um enorme lírio dourado. E sem saber como era exatamente essa flor, de alguma forma ela pode sentir o perfume. Era como respirar o mais puro ar das alturas. Ela sentiu o momento mais livre de sua vida.
Em silêncio, todas as mulheres foram se deitar. Mas Laura e a menina continuaram ali, em transe, sem pronunciar nenhuma palavra. Cada uma com seus pensamentos. Não importava qual seria a situação, elas eram duas pessoas livres. Com a capacidade de buscar a felicidade dentro de si, sem depender de nada.
E elas esperavam com paz de espírito, em algum momento de suas vidas, tudo pudesse ser como em uma história que os livros carregam, onde o amor possa libertar as almas que vivem sem saber viver.

VANDERSON PIRES

15 de nov. de 2008

VELÓRIO EM COMUM

Cansados de uma vida desinteressante, simplesmente morreram. Ninguém soube como se deu o passamento. Aparentemente não houve motivo, explicação. Apenas se foram. Não acreditando em vida após a morte, desapareceram sem deixar ao menos que alguém tivesse a perspectiva romanesca de que eles ficariam saboreando do além a curiosidade alheia em seus velórios.

Embora próximos, com os mesmos conhecidos, a movimentação foi diferenciada nas capelas onde ficaram os corpos. Um velório, discreto, reuniu alguns familiares, amigos, professores e o cachorro – agora sem dono – que teve livre acesso à sala principal e permaneceu ao pé da mãe do defunto. O pesar era profundo, mas com pouco choro. Ao outro, disputado, compareceram os familiares, 14 tios, 49 primos, 4 avós e uma bisavó; as mulheres de sua vida, cerca de 75, também apareceram; foi um reencontro de antigos distantes – quase uma festa com direito a carpideiras. Velórios diversos para existências diferentes.

Mas o fim é algo unívoco, pois ele iguala tudo, converge todos a um ponto comum, reduzindo existências distintas ao mesmo banquete para os vermes. Os fins nunca justificaram os meios. Maquiavel jamais disse o contrário. Os meios não precisam de um fim: se auto-justificam nas próprias ações. O viver não busca nada além de si próprio, ele quer apenas ser livre, verdadeiro, não a ilusão de felicidade que deforma nossas diferenças em interesses que só nos propicie o deleite da vida material.

E assim, a morte do dia-a-dia, ainda que apenas simbólica, lhes fez o bem de descansarem da falta de sentido das coisas, dos comentários sobre suas carreiras profissionais, da comparação. Os semblantes tornaram-se serenos como só ficavam depois de uma conversa etílica de bom gosto com amigos.

CAETANO PROCOPIO
MARCELO TEIXEIRA

29 de out. de 2008

O LAMENTO QUE NOS CONDENA

Aos homens, chorar não se conjuga.

Pois quando não resistem ao recalque,

desfazem-se no sentimento de culpa.

Ao contrário das mulheres.

Que são livres pra viverem suas sensações

não importando em qualquer arrependimento.


CAETANO PROCOPIO

7 de out. de 2008

ESQUECER ...

Existe um tempo em que é preciso perder a memória, descalçar os sapatos e ficar em silêncio... Deixar o esquecimento tomar conta da vida. Só assim podemos nos encontrar de novo. Em algum canto esquecido da alma...O esquecimento talvez seja a maior virtude do homem...



VANDERSON PIRES

1 de out. de 2008

A MUDANÇA PELO VOTO

Até que ponto o voto é um instrumento de mudança nas sociedades "democráticas"? Há séculos o sistema representativo pôs em xeque a hegemonia feudal e determinou o fim do absolutismo monárquico. Da mesma forma consolidou o modelo político burguês através da composição “montesquiana” de poder.

No regime democrático, o voto adquiriu a importância capital de instrumento de manifestação da soberania popular. Entretanto, esta é uma visão parcial, pois, reduz a participação política apenas ao processo eleitoral.

Uma tomada de posição que envolva a busca por resultados coletivos é uma escolha política e podem ser instrumentos muito mais efetivos de mudanças que uma eleição. Portanto, não basta escolher um ou outro candidato se as próprias condições em que se dará a escolha são insuficientes para determinar uma transformação. É preciso sim, a conscientização de que toda mudança é uma tarefa coletiva e exige o esforço conjunto por objetivos comuns.

A participação popular no processo político brasileiro, quando não exercida por meio da dominação das elites, sempre foi tratada como um caso de polícia. Palmares, Canudos e hoje o MST, são exemplos históricos de resistência e expressão da vontade popular. A historiografia oficial dá pouca importância a esses movimentos exatamente por registrá-los (e estigmatizá-los) sob a óptica dos detentores do poder.

O didatismo das campanhas pelo voto consciente esbarra na insuficiência da própria mídia jamais ter sido utilizada como um instrumento de formação política (quando ela não está afinada exatamente com os interesses escusos que denuncia), afinal o que é ser consciente numa sociedade caracterizada pela troca de favores para se obter o máximo de vantagens possíveis?

Talvez a noção mais exata de nossa realidade esteja expressa no pensamento do filósofo francês J. P. Sartre: A “palavra” democracia tem um sentido que caiu por si mesmo em desuso. Etimologicamente, é o governo do povo. Ora, é evidente que, nas democracias modernas, não há povo para governar, porque o povo não existe: havia um povo no Antigo Regime e em 1793; não há mais povo atualmente, porque não se pode chamar de povo homens completamente individuados pela divisão do trabalho, sem outra relação com outros homens que a profissional, e que, a intervalos de cinco, seis, ou sete anos, fazem um ato bem preciso que consiste em ir apanhar um pedaço de papel com nomes impressos e enfiar esse papel numa urna. Não considero que haja poder do povo nisso.

CAETANO PROCOPIO

16 de set. de 2008

AFRICA, O CONTINENTE ESQUECIDO

De provável berço da humanidade à martírio do mundo. Abandonada como um cão errante, desamparada como um idoso em um asilo, a África agoniza.

Na antigüidade o continente africano chegou a abrigar uma das mais importantes civilizações da época: a egípcia. Mas o seu papel histórico acabou sendo decisivamente definido nos últimos 500 anos.

A corrida mercantilista pela hegemonia comercial em fins do século XV levou as nações recém unificadas a buscar as riquezas do continente. A chegada dos europeus foi marcada pelo horror da escravidão e do tráfico negreiro. Povos e culturas acabaram sistematicamente dizimados para que os conquistadores pudessem satisfazer as necessidades prementes dos negócios metropolitanos.

O capitalismo, na incessante caminhada pelo lucro, encontrou na escravidão negra um eficiente meio de obter dividendos. Pode-se dizer que o negro foi a primeira matéria prima "made in África" a ser explorada pela economia mercantil.

À partir de meados do século XIX a revolução industrial atinge sua segunda etapa e o imperialismo colonial desperta, outra vez, o interesse das nações européias pela África.

Até hoje, a desagregação política e cultural dos países africanos (conflitos externos, guerras civis e a menor a menor expectativa de vida do planeta) tem suas raízes na forma como o capitalismo promoveu a inserção deles no universo de suas relações.

Mas como Marx sugeriu, vivemos a história sobre o ponto de vista do capital, a história do homem ainda está para ser contada, enquanto isso, a África continuará sendo "o continente esquecido".

CAETANO PROCOPIO
MARCELO TEIXEIRA

20 de ago. de 2008

CORRER E AUMENTAR (...)

"Toda gente vive apressada, e sai-se no momento em que devia se chegar", (Marcel Proust)


Toda essa gente pensa que sabe. Corre sempre e nunca termina nada. Acha bonito a pressa e apressa a desilusão. Caminhar é um verbo do passado, retrô. Correr está na moda, mas não no sentido de exercitar o corpo, mas sim na busca caçadora das metas da modernidade: Aumente seu "networking", seu pênis, seus seios, aumente sempre...tudo!
Ah, toda essa gente que corre, que tem pressa, que quer aumentar algo...nunca chegarão em um lugar seguro.

VANDERSON PIRES

6 de ago. de 2008

O HOLOCAUSTO JAPONÊS

Há exatos 63 anos a cidade japonesa de Hiroshima sucumbia diante da bomba atômica detonada pelos Estados Unidos.

3 dias depois, Nagasaki também explodia da mesma forma.

Era o fim da segunda guerra mundial.

No ano seguinte, O Tribunal de Nuremberg, que  julgou criminosos de guerra nazistas, “esqueceu-se” de condenar os próceres estadunidenses que determinaram tamanha atrocidade.

Mas esta história foi contada pelos vencedores.


E estes, sempre a contarão da maneira que melhor lhe convier.


CAETANO PROCOPIO

29 de jun. de 2008

SEIS DECADAS DEPOIS (...)

Há pouco mais de seis décadas a Alemanha capitulava diante dos aliados.

O General Wilhelm Keitel, comandante sobrevivente do “staff” nazista assinava a rendição alemã.

Dias depois, o chefe da Wehrmacht era preso e posteriormente levado a julgamento no “Tribunal de Nuremberg”.

Recebeu a pena capital: morte por enforcamento.

Não só Keitel, mas outros criminosos nazistas sofreram a mesma condenação.

Exatamente os aliados que se chocaram com as atrocidades cometidas por Hitler e seus asseclas, agiram como algozes.

Talvez porque as questões humanitárias nada representassem para eles e o Tribunal existisse apenas para justificar uma “aparência” de legalidade.

A guerra foi um choque de interesses comerciais e as estimativas de 50 milhões de mortos no conflito, não passaram de estatísticas.

Talvez porque vitoriosos e vencidos estiveram em lados opostos apenas por razões de conveniências.

E porque para os vitoriosos, a vida seja um valor elementar apenas como retórica.

E 63 anos depois, nada mudou.


CAETANO PROCOPIO

15 de jun. de 2008

ROMANTISMO: UM IDEAL DE CLASSE

Nas últimas décadas do século XVIII a França declarou ao mundo que os reis haviam abandonado a história. Já na Inglaterra, a nobreza transformou-se na efígie dos grandes proprietários após o fracasso da experiência republicana de Oliver Cromwell.

A burguesia, confusa e temerosa com a instabilidade política provocada pelas suas insurreições, ocupou a inteligência com o desprezo por um mundo desigual e absurdo. O conflito que se processou no interior da intelectualidade gerou a matéria-prima de um movimento artístico com raízes no teatro, mas que marcaria profundamente as letras: o romantismo. Este fixou os contornos do homem num universo evasivo e incapaz de acomodar as divergências do seu convívio social, preterindo dar as costas ao mundo e aliviar as angústias na solidão. Essa tergiversação acabou por redundar num egocentrismo insuportável, alimentado por uma constituição mística da realidade, que confirmou a vitória do individualismo "libertário" sobre o despotismo dos nobres. E não demorou para que os propósitos revolucionários nocauteasem e desagregassem os cacos do antigo regime, destruindo por completo os ranços feudais mais contumazes. Só que essas transformações geraram um clima de insegurança na classe média, ainda perturbada com a violência com que se precipitavam os derradeiros brasões absolutistas.

O espírito da renascença confirmou a decadência das instituições medievais. Definido pela lógica da razão como uma antítese aos mitos conformadores de um passado "sombrio", ele permitiu "aos de baixo" reivindicarem-se como indivíduos, inspirados na ressurreição mercantil do velho continente. O comércio rompeu com a rigidez do sistema servil e aflorou no homem um novo sentido aos seus atos. Este deixou de pensar nos rigores da sua condição, atribuída pela igreja como um encargo divino. Novos anseios açoitaram-lhe a mente e sua inquestionável sina já não mais o satisfazia. Impelido por novas aspirações, se fez indivíduo, dono do seu destino, fechado em sua solidão e comprometido apenas consigo mesmo.

O romantismo foi a consciência literária da burguesia, a insígnia de uma classe emergente, enriquecida e que aspirava ao poder em sua plenitude. Esse ímpeto exclusivista despojou-se de todo e qualquer engajamento, exatamente para camuflar, em questionamentos de ordem meramente pessoais, a realidade conflitante (e contraditória) do modelo vitorioso.

O imaginário romântico nasceu nas profundezas de um mundo virtual, intrínseco à viagem sensitiva de seus autores e ao vazio desse isolamento. Ele resgatou valores renegados pela renascença e sublimou-os em verdades incólumes do racionalismo das luzes. Cultivou as tradições do passado como se fossem o último refúgio de um condenado e assumiu a crise de identidade de jovens nababos, perplexos com a realidade perturbadora de suas próprias revoluções.

Poetas e prosadores revelaram a insensatez do espírito na amargura dos seus fracassos. A incapacidade de realização não foi uma impossibilidade do gênio, mas uma deliberação da vontade. Eles partiram de uma visão de mundo abstrata, mas indubitavelmente peculiar a seu tempo e à sociedade da época. A idéia de fuga tinha um fundo lógico: mascarar as contradições inerentes à realidade do capitalismo e buscar a legitimação do "status quo". A insipidez com as questões sociais (a crítica romântica encerra-se em alegorias - como bem mostra a temática social hugoana - em que o inconformismo serve de apologia ao mito (Marx)) e o extremo recolhimento interior fez com que algumas gerações da classe média ignorassem a crescente insatisfação proletária; resultado que, evidentemente, traduziam as pérfidas condições em que estava obrigada a grande parte da população, empobrecida pelo ritmo galopante da acumulação capitalista.

A coalescência de sinônimos que aproximavam burguesia e romantismo foi intensa a ponto de torná-los unívocos e comprometer o segundo ao instituto da intelectualidade da primeira, não obstante, o romantismo não se apresentou de forma a ser um mero porta-voz desses interesses, mas sim um cúmplice disposto a acobertá-la. Esse aspecto não o impediu de explorar seus limites e buscar novos horizontes, entretanto, sem romper o campo perceptivo próprio da condição burguesa de seus interlocutores.

O elo que existiu entre ambos é perfeitamente delineado nas palavras de Nelson Werneck Sodré: "burguesia e romantismo pois são como sinônimos, o segundo é a expressão literária da plena dominação da primeira". Sem dúvidas, a definição é fiel à profícua relação entre as duas esferas: uma como nova classe dominante no poder e a outra como movimento artístico legitimador do ideal burguês. O romantismo cingiu-se ao universo das relações burguesas e de forma alguma ultrapassou tais limites. Surgiu do conflito de um homem que pensava como indivíduo, livre, mas que não suportava o peso do isolamento e da solidão. Esse homem buscou nos sentimentos mais íntimos encontrar a resposta para o seu desespero, muitas vezes culminando na atitude derradeira dos românticos: a morte; representação máxima de seu instinto de criação, acolhido no sofrimento e dor de um indivíduo massacrado por uma realidade opressora . Alheio a qualquer ideal, entregou-se de corpo e alma ao propósito de infiltrar no seu mundo interior descartando toda e qualquer reflexão. Propôs um sentido metafórico à existência transportando-a a um nível transcendental, completamente figurado.

O romantismo pode ser comparado a uma epidemia (Goethe chegou a se referir sobre o movimento como sendo uma doença) que se alastrou desde o último quartel do século XVIII até meados do século XIX, fustigando o desespero dos sem causa, apenas amparados pelas suas emoções e sentimentos mais viscerais. Toda essa afecção da alma sustentou-se sob um conteúdo e significado de classes, elemento ideológico e resoluto papel legitimador da consciência burguesa. E não poderia ter se dado em bases diferentes, pois este o limite que delineou e direcionou a cultura do romantismo, conforme os interesses da nova aristocracia.

As condições que propiciaram o surgimento do romantismo nasceram de uma interação entre o poder burguês emergente e a atmosfera espiritual desse momento da história. Cabe lembrar que ele não se separa do contexto político-social em que está inserido, sob o risco de se dissociar do aspecto literário, o seu contorno histórico e equivocadamente produzir interpretações distorcidas, apenas pautadas em observações alegóricas e recalcadas, sem qualquer argumento criterioso capaz de elucidar e compreender a sua essência. Não passaria assim, o romantismo e seus idealizadores, de um grupo de piegas sentimentalistas sem propósito algum, vivendo apenas de uma mórbida e ridícula relação com o eu-interior - o que seria um engano medonho. O momento literário não se descompassa de sua contingência, por ser esta, engendrada de uma situação social que contém os elementos que o fundamentam.

Enfim, é das palavras de um historiador anônimo, o argumento definitivo na defesa e justificativa dessa conjunção ideológica: o romantismo "foi uma escola da burguesia, pela burguesia e para burguesia", que acima de tudo significou a consciência de um homem em seu tempo.

CAETANO PROCOPIO (18/1/99)

18 de mai. de 2008

UM DIA O PTSDB?

Certa vez escrevi neste blog que o sociologo Francisco de Oliveira foi quem melhor definiu a relação hostil entre PT e PSDB: a de dois irmãos que se odiavam.

E com razão.

Anteontem, lendo noticias na internet, vi a manchete: PT de Minas Gerais contraria cúpula e aprova aliança com PSDB em Belo Horizonte.

Em 8 anos, FHC só não conseguiu implantar plenamente suas políticas de governo por conta da oposição petista.

Mas claro, mera pirraça do irmão mais velho, enciumado com a notoriedade do caçula.

Depois que o primogênito galgou o posto do irmão precoce, a coisa mudou e passou a agir como se este fosse.

Coisas de irmãos, pois é difícil pro mais velho assumir que se inspira no mais novo.

Só que mais dia menos dia, isso acaba se revelando (...)

Quem sabe um dia não se transformem numa coisa só?

Acho que para não causar mais desavenças em família, o melhor seria um nome híbrido: PTSDB (Partido dos Trabalhadores da Social Democracia Brasileira).

E não é que cairia bem?

CAETANO PROCOPIO

11 de mai. de 2008

A ERA DA TRAGÉDIA

O historiador inglês Eric Hobsbawn definiu o “breve” século XX como a “Era dos Extremos”: um período marcado por duas guerras mundiais, conflitos armados em praticamente todos os continentes e revoluções sociais que produziram um morticínio jamais visto na história.

Ao mesmo tempo em que o mundo do século XX experimentou um fantástico avanço em todas as áreas do conhecimento, testemunhou o esplendor da barbárie materializada em formas cada vez mais sofisticadas de destruição.

A queda do socialismo encerrou a guerra fria, mas ao contrário dos crédulos no “fim da história” esta não morreu sob auspícios do racionalismo vencedor. O atentado de 11 de setembro transfere o foco das tensões para Ásia Central e consolida o novo inimigo aos olhos do ocidente, o fundamentalismo muçulmano, que a campanha americana no Iraque em 1991 transformou numa espécie de nova cruzada contra os bárbaros fanáticos seguidores do islão.

Os EUA deflagraram guerra contra o terror. Definiram o Afeganistão como alvo por presumirem ser o esconderijo do terrorista saudita Osama bin Laden, suposto autor dos atentados em Nova Iorque e Washington. As provas que o governo americano afirmou terem obtido contra bin Laden “convenceram” aos principais líderes mundiais. Só que até hoje não foram apresentadas à opinião pública. A Inglaterra, do Primeiro Ministro Tony Blair - espécie de porta voz americano para assuntos externos, foi a mais efetiva aliada dos EUA na tentativa de costurar o máximo de alianças, principalmente, com os países do oriente médio.

O conflito se arrastou com os bombardeios diários das forças militares dos EUA. A população americana foi diuturnamente informada do sucesso da operação “liberdade duradoura”. Entretanto, a decantada “guerra cirúrgica”, tão alardeada pelos EUA na guerra do golfo, não convenceu o ocidente como na década anterior, após a comprovação de que alvos civis foram atingidos no Afeganistão.

Vencer o terrorismo com uma ação bélica convencional é um despropósito, da mesma forma que lançar alimentos dos aviões após os bombardeios. Mas afinal, qual o sentido dessa guerra insana? Talvez a razão esteja com o jornalista José Arbex: a luta contra o terror não passa de um pretexto para que os EUA possam ampliar seu domínio econômico e político. A Ásia central ainda é uma das poucas regiões do globo onde os norte-americanos não conseguiram exercer sua influência de forma mais efetiva. Uma área importante para os interesses ianques devido as grandes reservas de petróleo além da posição estratégica que ocupa na geopolítica continental.

Durante a Era soviética e dos regimes asseclas da revolução social, a bipolarização do mundo em dois blocos antagônicos funcionava como argumento para o intervencionismo da política externa americana. Com a queda do socialismo real foi necessária outra retórica capaz de criar um novo inimigo tão ou mais nefasto que o perigo vermelho. Se antes a dicotomia era construída em cima da disputa entre capitalismo libertário e comunismo opressor, agora, é o ocidente evoluído e racional que se debate com o oriente bárbaro e intolerante.


O novo milênio em seus primeiros passos está indelevelmente marcado pela tragédia: os atentados em 11 de setembro, o conflito detonado pelos EUA, o terrorismo biológico nos apontam para um futuro incerto e temeroso. Se o século XX não acabou bem, como afirmou Hobsbawn, o século XXI começou muito mal.

CAETANO PROCOPIO (7/11/01)

(publicado originalmente na página www.araraquara.com.br)

4 de mai. de 2008

É ISTO!

"Enquanto o capitalismo existir, o marxismo será a melhor teoria."

(JEAN PAUL SARTRE)

A VEZ DE JIMMY CARTER

Jimmy Carter governou os EUA de 1977 a 1981.

Ao contrário de boa parte de seus antecessores e sucessores, praticou uma política externa de tolerância.

Unico presidente americano que promoveu uma aproximação com Cuba após a instalação do regime revolucionário em 1959, o que culminou na histórica visita à ilha, em 2002.

Pacifista e defensor dos direitos humanos, principalmente, através do Instituto que fundou, o Carter Center.

Criticado pelas autoridades israelenses e norte-americanas por defender a realização de um acordo de paz israelense-palestino que inclua o Hamas nas negociações, Carter tem fugindo do perfil conservador ou mesmo belicista, habitualmente apresentado pela política norte-americana.

Aos 83 anos, ainda seria uma opção democrata muito mais avançada à obviedade de Hillary Clinton e Barack Obama.


CAETANO PROCOPIO

29 de abr. de 2008

PALAVRAS

Quantos dedos haviam naquela mão?

Quantos deles queriam me tocar?

Quantos eram limpos?

As palavras tomaram o poder dos meus dedos...

E eles costuraram a minha boca.

VANDERSON PIRES

9 de abr. de 2008

O FIM DA ERA FIDEL

A história de Fidel Castro divide-se em duas partes: a primeira conta a trajetória do revolucionário que derroubou a ditadura de Fulgêncio Batista e inaugurou um regime socialista na ilha; a segunda, descreve o ditador que permaneceu por quase 50 anos no poder. Não há uma cronologia exata a definir o fim de uma e o começo da outra. Elas se confundem.

A revolução trouxe novas perspectivas aos cubanos. Mas ela se deteriorou, do mesmo modo que a liderança de Fidel. Antes dos guerrilheiros da Sierra Maestra tomarem o poder, a ilha não passava de um grande bordel onde norte-americanos enriquecidos se dirigiam para gastar seus dolares em troca de prazeres mundanos. Um paraiso tropical, mas como todo éden terreno, cercado de miséria. O socialismo não suprimiu por completo as desigualdades, mas pôs fim ao abismo social. Apesar de todas as dificuldades que a conjuntura (principalmente externa) lhe reservou, Cuba conseguiu criar um regime de inclusão social nunca visto na América Latina.

Quase 50 anos depois, o país permace fiel ao velhos revolucionários. Seus mártires ainda estão lá e Fidel, o seu maior representante. Mas até quando? O comandante deixou seu posto. O que virá agora não sabemos ao certo. Só quem poderá nos dizer são os próprios cubanos, que há 5 décadas vivem esse regime tão combatido.

Um país que não teve muitas opções. Isolado há tantos anos pela onipotência dos “guardiães da democracia”, sempre conviveu com a escassez. Com o fim da URSS, perdeu a importante ajuda financeira da potência socialista. Desde então Cuba permanece mergulhada na completa penúria. Milhares de pessoas ja abandonaram a ilha nas últimas décadas em busca da pujança no seu poderoso vizinho.

Fidel deveria ter deixado o seu posto há muito tempo. Claro que a questão não se resume a esta conclusão extremamente simplista. Agora, os milhões de cubanos que permaneceram “fiéis à revolução” precisam responder a uma interrogação: o que fazer? Lenin soube o quão complexa a resposta desta pergunta e certamente será a mais dificil que a história reservará aos exultantes moradores desta pequena ilha caribenha. E como eles a responderão, só mesmo o tempo irá nos mostrar.

CAETANO PROCOPIO

31 de mar. de 2008

44 ANOS DEPOIS (...)

Há exatos 44 anos era deflagrado o golpe militar que derrubaria o governo de João Goulart.

Muita coisa aconteceu depois.

Os golpistas só deixariam o poder após 21 anos.

Hoje os militares estão devidamente na caserna.

Mas uma ditadura velada ainda vive.

Camuflada no dia-a-dia difícil das pessoas.

A democracia permanece na atmosfera de liberdade, de se poder dizer o que era veementemente proibido.

O que mudou de fato?

O brasileiro continua a ter esperança, mesmo quando as condiçoes objetivas não favoreçam.

O Brasil da democracia ainda possui as desigualdades do Brasil dos Militares.

Só que antes, nada podia ser dito.

Hoje podemos falar, mas não muito mais que isto.

Só temos o discurso e quase nada de ação.

44 anos depois o Brasil ainda parece estar no mesmo pé em que encontrava-se em 31 de abril de 1964.

A diferença é que antes eu não poderia estar dizendo isto (...)


* * *

O golpe militar de 31/3/64 deu início a um período obscuro da história nacional.

No plano político decretou o fim das liberdades individuais.

A censura sobre os meios de comunicação acobertou a prática de perseguições, torturas e assassinatos por órgãos da repressão oficial.

No plano econômico, um período de desenvolvimento sob os auspícios da liberalização de capitais externos, que aliaram a modernização a um processo intenso de concentração de renda, agravado, no início dos anos 80, pela recessão decorrente do enorme endividamento do Estado.

Duas décadas após a saída dos militares do poder, o país se reencontrou com a democracia.

Mas apesar da aparente tranqüilidade institucional, nenhum dos governos civis pós-64 conseguiu implementar uma política econômica capaz de conciliar estabilidade monetária, crescimento econômico e distribuição da riqueza.

O Brasil convive com uma das maiores concentrações de renda do mundo que, de certa forma, minimizam a amplitude da abertura política e emperram o avanço das conquistas democráticas.

A ditadura, pelo menos no que tange aos seus nefastos efeitos políticos, se foi há mais de 20 anos.

Mas passados 44 anos de sua instauração ainda não nos livramos das seqüelas deixadas por suas concepções econômicas.

CAETANO PROCOPIO

19 de mar. de 2008

TENSÃO NAS TERRAS DE BOLIVAR

O que foi a crise diplomática que atingiu Colombia, Equador e Venezuela? A Colômbia acusou o Equador de dar cobertura às FARCs. E com este pretexto decidiu promover uma operação militar no território equatoriano.

Uribe trata a guerrilha como sendo terrorista (inclusive acusa a Venezuela de financiar o grupo guerrilheiro). Correa e Chavez a chamam de revolucionária. Os dois últimos são aliados políticos e dissidentes da política norte-america. O primeiro, ligado aos Estados Unidos.

A trajetória das FARCs adquiriu um perfil muito parecido ao de outras guerrilhas que conseguiram tomar o poder. Normalmente a violência justificada durante o assalto revolucionário perpassa o período de convulsão e acaba se consolidando como um “modus faciendi”.

Quatro décadas depois de surgir, da mesma forma que as revoluções socialistas apodreceram, as FARCs perderam sua essencia transformadora tornando-se sombra de experiências “revolucionárias” passadas que se valeram apenas do terror. Dificil não imaginar um hipotético controle do poder como algo semelhante ao que foi, por exemplo, o Khmer Vermelho no Cambodja.

Mas com relação ao mal estar entre os 3 países. Apesar da diplomacia ter “esfriado os ânimos” de Equador e Colômbia, por trás do incidente, há uma relação de poder muito mais vigorosa: de um lado os Estado Unidos e sua posição de hegemonia, do outro, a figura incendiária de Hugo Chavez autoproclamando-se o “libertador” da América Latina e difusor das idéias do “socialismo bolivariano”.

Claro que pensar na possibilidade de uma América Latina soberana é algo tentador. Mas não basta resgatar o significado da luta “libertadora” de Simon Bolivar. É preciso ir além e encontrar uma verdadeira identidade latino-americana na vontade comum de seus povos. Sem a batuta de qualquer líder ou pontífice para conduzí-la, do contrário, correremos o risco de reescrever as mesmas páginas do passado.

CAETANO PROCOPIO

11 de mar. de 2008

A REVOLUÇÃO VIRÁ AO ENCONTRO

Que as revoluções vindouras ressuscitem as pobres prostitutas nicaragüenses, que ao invés de dólares, pediam fuzis e munições.
E que todos possam ter ouvidos para os versos cantados pelo Rei do Cangaço:

"É lamp... é lamp...
É lamparina, é lampião,
Eu me chamo Virgulino,
Me tratam por Lampião!"

Nem os ratos vão respirar o odor corrompido do mundo!
Pois não vamos mais ter que nivelar nada com o chão.
A multidão esfalfada se renovara.
Nenhum trabalhador será chamado de salamandra, pois não precisaremos mais de petróleo.
O silêncio que brada ordens juntar-se-á as pedras que voam das mãos sem asa.
Os soldados não vão mais tiritar de frio por trás das armas.
Não vamos mais ter fome de vaca no pasto.
Deixaremos as árvores em paz.
E vamos limpar o mundo das máquinas,
Pois não podemos esperar nada dele.
Não se pode esperar nada deste mundo!
E o meu universo que só existe nas palavras,
Vai abrir o caminho, pois nenhuma porta consegue se manter fechada.
E não teremos mais dúvida de que o mal não está nas instituições, mas sim nas profundezas de nosso ser.

VANDERSON PIRES

CENA URBANA

Acordo e vejo que nada mudou.

Já era tarde e eu precisava correr...

Não tinha nenhuma vontade de dizer "bom dia".

Desviava-me dos olhares.

Queria apenas ficar quieto.

Mas ninguém parece entender que precisamos ter silêncio.

Mesmo que nada nos aborreça; não falar faz bem.

Somos sempre obrigados a ter uma opinião sobre as coisas...

E existem muitas delas que eu não quero saber de nada!

Entro no ônibus lotado. As pessoas, num ato coletivo de ignorância, disputam o mesmo espaço perto da porta. E eu quase que não consigo passar da catraca.

O meu celular toca. "Logo cedo...tenho que atender?". Sim!

O identificador de chamadas é o grande acusador. Você sabe quem está ligando. O simples ato de ignorar pode ser cruel demais. Fica a dúvida do outro lado da linha. Mais dia, menos dia, seremos cobrados. Teremos que dar satisfação. "Liguei pra você, por que não me atendeu?"

Eu não atendi. Mas alguém parecia muito querer falar comigo. Definitivamente, eu não estava disposto a atender.

Procuro respeitar muito as mulheres com TPM. Acho que sofro algo semelhante...

Ainda no busão, um idiota ouve pelo celular, sem fone, uma música bem cretina. E ainda faltavam pelo menos uns 20 minutos do meu destino final. Tento ler um livro. Mas a raiva mata a concentração.

Finalmente, com quase 15 minutos de atraso, chego a uma estação do metrô. Acelero os passos. Na minha frente um grupo com cinco pessoas, conversam tranquilamente, caminhando como tartarugas.

Vou para a rua na intenção de ultrapassar o obstáculo...

É impressionante como as pessoas sem nenhuma noção de civilidade, encontram seus pares com muita facilidade.

Logo na entrada da estação, mais um grupo resolve parar para conversar. Minha vontade era de ir correndo em direção a eles e derrubar todos.

Com muita paciência consigo chegar nas escadas. Mesmo com vários avisos de "Deixe a esquerda livre", é nessas horas que podemos entender a quantidade de analfabetos no país. Ou será apenas dislexia coletiva?

Bom, nem preciso falar que o vagão estava cheio e a maior parte se concentrava, na...na...porta!

Pelo menos eu sabia que iria ficar pouco tempo espremido ali.

Saio apressado. Só mais uma rua e chegarei ao meu trabalho. Na minha frente um fumante me defuma. Joga a bituca no meu pé.

No cruzamento um carro para na faixa de pedestres.

Respiro fundo. Conto até três...

Finalmente chego no trabalho. Nem quero contar mais...estou de saco cheio.

VANDERSON PIRES

25 de fev. de 2008

ECOS DA INFÂNCIA II (UM MARXISTA NA INFÂNCIA)

Nunca fui muito conformado com as coisas.

Claro que ja levei isto a extremos, apenas pra exercitar o capricho de contrariar.

Antes mesmo de gostar de futebol eu dizia ser corinthiano, mas sem qualquer convicção (ou paixão, se preferirem).

E acreditem, virei palmeirense só porque todos colegas do pré-primário eram corinthianos (e claro porque naquela época o Corinthians ainda amargava a fila de mais de 20 anos sem títulos).

Não é que no ano seguinte veio o famoso título paulista e o Palmeiras foi quem amargou mais de 16 anos na fila.

Tudo bem, não tenho supertições e a paixão ficou.

Mas naquele ano de 1976 talvez eu tenha cometido o meu primeiro ato de rebeldia.

Não sei se ele poderia ser assim considerado porque foi inconsciente.

No dia de minha formatura da pré-escola, vestia uma beca bege.

Estava sentado com os demais formandos, todos perfilados no auditório (vejam só ... do Clube Corintians de Araçatuba!) aguardando a entrega do diploma, que seria realizada ... pelo Prefeito da Cidade!

Apesar de toda preparação para o evento, não havia como seguir um protocolo absolutamente rigoroso com dezenas de crianças presentes.

Mas fui muito além ...

Durante a cerimônia comecei a sentir contraçoes na bexiga.

Depois de alguns minutos resistindo, estava prestes a explodir.

Só que o constrangimento por deixar meu assento no meio da cerimônia foi maior.

E o pior aconteceu, acabei urinando ali mesmo, sentado na cadeira, no meio do auditório!

O unico registro deste feito era uma foto em preto e branco tirada no momento em que eu recebia o “canudo” do Excelentíssimo Prefeito ... com a roupa manchada de urina!

Não fosse pela vergonha injustificada de não ceder à fisiologia, teria sido um ato extremamente contestador!

Diria algum teórico: “já era um marxista na infância!”

E eu nem saberia disto (...)

CAETANO PROCOPIO

13 de fev. de 2008

ECOS DA INFÂNCIA

Quando Elvis faleceu eu tinha 7 anos de idade.

Não conseguia compreender como ele poderia ter morrido, afinal, tratava-se apenas de um personagem da TV.

Não era de verdade!

Alguns meses depois, naquele mesmo ano de 1977, no dia de natal, Chaplin também partia.

A manchete no jornal da manhã seguinte, com uma foto do vagabundo, ilustrava: “Morre Carlitos”.

Havia acabado de concluir a primeira série primária e a leitura, por mais singela que fosse, ainda me parecia uma tarefa herculana, afinal, de insipiente tornei-me incipiente.

Consegui ler a notícia.

E novamente a indagação. Morreu? Mas ele não era de mentira?

Hoje, certamente qualquer criança de 7 anos debocharia da minha dúvida.

Porque a infância não é mais o tempo da ingenuidade.

Mas um curto ensaio pra apreendermos uma tristeza que nunca mais irá passar.


CAETANO PROCOPIO

7 de fev. de 2008

MENINOS DO FAROL

As crianças em São Paulo aprendem a fazer arte no farol para sobreviver.

São os malabaristas sem circo, sem palco, sem mico.

Os diretores são exigentes. Pai, mãe, avós ou qualquer pessoa que seja maior e mais forte pode dirigir o espetáculo.

Pés descalços, asfalto quente.

Diz a gente grande do carro: não dou dinheiro.

Fecha os vidros, buzina e acelera.

É um meio de vida no meio da vida.

Mas a cidade ainda parece ser de todos.

Até quando a tecnologia vai deixá-los ganhar centavos no farol?

Em uma cidade que a cada segundo, dez compras são efetuadas por meio de cartões de crédito ou débito.

Será que a substituição do dinheiro pelos cartões vai acabar com a mendicância? E os cartões dos palhaços sem talento de Brasília?

Os artistas do farol ainda sorriem com os teletubbies...

Na cidade dos 30 mil milionários, vamos continuar a discutir a ética inventada pelo homem.

Pois, não há mais como pescar. Porque os peixes estão nos congeladores. Comprados por centavos e vendidos com cartões.

E os meninos do farol, não tem rio, nem peixe, nem anzol...

VANDERSON PIRES

12 de jan. de 2008

O ESPECTRO DA VIOLÊNCIA

O agravamento da violência é um fenômeno planetário. Aqui no Brasil atinge proporções assustadoras. Cidades como o Rio de Janeiro e S. Paulo, vivem um permanente estado de insegurança e medo. Nas duas metrópoles, mas principalmente na primeira, já existem áreas onde o poder público não mais consegue exercer o controle efetivo sobre as pessoas, sendo comandadas segundo leis do crime organizado. Esse poder paralelo imprime um domínio brutal sobre as sofridas populações locais.

Há uma ou duas décadas a violência era um problema quase que restrito aos grandes centros urbanos. Porém, hoje, mesmo as mais remotas localidades no interior do país são alvos de toda sorte de barbárie: assaltos, seqüestros, assassinatos e até atentados, como podemos assistir diariamente nos noticiários das TV(s).

Fora dos limites nacionais, em quase toda parte se presencia uma constante ameaça beligerante, agora mais difundida pela nova política dos “arautos da liberdade entre os povos”. Mesmo nos EUA, o perigo de atentados e ações amoucas rondam o território americano que parece ter se tornado muito mais exposto depois de 11 de setembro.

Esse fenômeno generalizado da violência deve ser observado sob inúmeros ângulos e não mais pode ser subestimado com soluções simplistas do tipo “tolerância zero”. Possui implicações muito mais complexas que demandam uma análise totalizante dos seus processos ensejadores associada às suas particularidades históricas. Pode-se supor que ele se intensificou consideravelmente depois de consolidada a hegemonia do “livre mercado mundial”. O enfraquecimento dos regimes baseados no Estado Social de Direito repercutiu muito mal no mundo globalizado, principalmente em países (como o Brasil) onde o Poder Público nunca conseguiu exercer um papel muito efetivo na construção da democracia.

Nos regimes liberais, o Estado, depois da 2ª grande guerra mas, fundamentalmente, após o desastre da economia capitalista na década de 30, passou a ter uma participação decisiva na vida econômica e social dos países democráticos. Funcionou como uma importante aresta para reduzir as desigualdades do sistema de mercado, entretanto, essa receita não mais consegue se ajustar aos novos caminhos trilhados pela globalização. Com efeito, é notório o sentimento de abandono e a falta de perspectivas daqueles que agora não mais podem contar com políticas públicas generosas e que antes lhes davam o alento de sonhar com a possibilidade de inclusão social que o modelo intervencionista nos moldes keynesianos pregava. O desamparo é ainda mais exacerbado aqui, nos limites do mundo dependente e pobre, com sociedades extremamente desiguais em que a miséria é um estopim cada vez mais curto para uma explosão de violência sem controle.

A cada dia se desfaz com extrema rapidez os laços que garantam uma convivência pacífica entre as pessoas. O espírito solidário está sendo soterrado por uma mistura letal de individualismo, ódio e revolta capaz de dissolver todos os vínculos humanos e lançar os homens na completa anomia.

A gravidade do momento inspira por uma reflexão de todos para definir os objetivos e o sentido da coexistência: quer-se um mundo justo com oportunidades iguais para todos, ou almeja-se a competição e o individualismo como regras indiscutíveis de conduta. A primeira abre um leque de enormes possibilidades ao gênero humano, a segunda poderá afundar a humanidade definitivamente num inferno tão absurdo que viver acabará se transformando uma tarefa impossível.

CAETANO PROCOPIO