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29 de jun. de 2008

SEIS DECADAS DEPOIS (...)

Há pouco mais de seis décadas a Alemanha capitulava diante dos aliados.

O General Wilhelm Keitel, comandante sobrevivente do “staff” nazista assinava a rendição alemã.

Dias depois, o chefe da Wehrmacht era preso e posteriormente levado a julgamento no “Tribunal de Nuremberg”.

Recebeu a pena capital: morte por enforcamento.

Não só Keitel, mas outros criminosos nazistas sofreram a mesma condenação.

Exatamente os aliados que se chocaram com as atrocidades cometidas por Hitler e seus asseclas, agiram como algozes.

Talvez porque as questões humanitárias nada representassem para eles e o Tribunal existisse apenas para justificar uma “aparência” de legalidade.

A guerra foi um choque de interesses comerciais e as estimativas de 50 milhões de mortos no conflito, não passaram de estatísticas.

Talvez porque vitoriosos e vencidos estiveram em lados opostos apenas por razões de conveniências.

E porque para os vitoriosos, a vida seja um valor elementar apenas como retórica.

E 63 anos depois, nada mudou.


CAETANO PROCOPIO

15 de jun. de 2008

ROMANTISMO: UM IDEAL DE CLASSE

Nas últimas décadas do século XVIII a França declarou ao mundo que os reis haviam abandonado a história. Já na Inglaterra, a nobreza transformou-se na efígie dos grandes proprietários após o fracasso da experiência republicana de Oliver Cromwell.

A burguesia, confusa e temerosa com a instabilidade política provocada pelas suas insurreições, ocupou a inteligência com o desprezo por um mundo desigual e absurdo. O conflito que se processou no interior da intelectualidade gerou a matéria-prima de um movimento artístico com raízes no teatro, mas que marcaria profundamente as letras: o romantismo. Este fixou os contornos do homem num universo evasivo e incapaz de acomodar as divergências do seu convívio social, preterindo dar as costas ao mundo e aliviar as angústias na solidão. Essa tergiversação acabou por redundar num egocentrismo insuportável, alimentado por uma constituição mística da realidade, que confirmou a vitória do individualismo "libertário" sobre o despotismo dos nobres. E não demorou para que os propósitos revolucionários nocauteasem e desagregassem os cacos do antigo regime, destruindo por completo os ranços feudais mais contumazes. Só que essas transformações geraram um clima de insegurança na classe média, ainda perturbada com a violência com que se precipitavam os derradeiros brasões absolutistas.

O espírito da renascença confirmou a decadência das instituições medievais. Definido pela lógica da razão como uma antítese aos mitos conformadores de um passado "sombrio", ele permitiu "aos de baixo" reivindicarem-se como indivíduos, inspirados na ressurreição mercantil do velho continente. O comércio rompeu com a rigidez do sistema servil e aflorou no homem um novo sentido aos seus atos. Este deixou de pensar nos rigores da sua condição, atribuída pela igreja como um encargo divino. Novos anseios açoitaram-lhe a mente e sua inquestionável sina já não mais o satisfazia. Impelido por novas aspirações, se fez indivíduo, dono do seu destino, fechado em sua solidão e comprometido apenas consigo mesmo.

O romantismo foi a consciência literária da burguesia, a insígnia de uma classe emergente, enriquecida e que aspirava ao poder em sua plenitude. Esse ímpeto exclusivista despojou-se de todo e qualquer engajamento, exatamente para camuflar, em questionamentos de ordem meramente pessoais, a realidade conflitante (e contraditória) do modelo vitorioso.

O imaginário romântico nasceu nas profundezas de um mundo virtual, intrínseco à viagem sensitiva de seus autores e ao vazio desse isolamento. Ele resgatou valores renegados pela renascença e sublimou-os em verdades incólumes do racionalismo das luzes. Cultivou as tradições do passado como se fossem o último refúgio de um condenado e assumiu a crise de identidade de jovens nababos, perplexos com a realidade perturbadora de suas próprias revoluções.

Poetas e prosadores revelaram a insensatez do espírito na amargura dos seus fracassos. A incapacidade de realização não foi uma impossibilidade do gênio, mas uma deliberação da vontade. Eles partiram de uma visão de mundo abstrata, mas indubitavelmente peculiar a seu tempo e à sociedade da época. A idéia de fuga tinha um fundo lógico: mascarar as contradições inerentes à realidade do capitalismo e buscar a legitimação do "status quo". A insipidez com as questões sociais (a crítica romântica encerra-se em alegorias - como bem mostra a temática social hugoana - em que o inconformismo serve de apologia ao mito (Marx)) e o extremo recolhimento interior fez com que algumas gerações da classe média ignorassem a crescente insatisfação proletária; resultado que, evidentemente, traduziam as pérfidas condições em que estava obrigada a grande parte da população, empobrecida pelo ritmo galopante da acumulação capitalista.

A coalescência de sinônimos que aproximavam burguesia e romantismo foi intensa a ponto de torná-los unívocos e comprometer o segundo ao instituto da intelectualidade da primeira, não obstante, o romantismo não se apresentou de forma a ser um mero porta-voz desses interesses, mas sim um cúmplice disposto a acobertá-la. Esse aspecto não o impediu de explorar seus limites e buscar novos horizontes, entretanto, sem romper o campo perceptivo próprio da condição burguesa de seus interlocutores.

O elo que existiu entre ambos é perfeitamente delineado nas palavras de Nelson Werneck Sodré: "burguesia e romantismo pois são como sinônimos, o segundo é a expressão literária da plena dominação da primeira". Sem dúvidas, a definição é fiel à profícua relação entre as duas esferas: uma como nova classe dominante no poder e a outra como movimento artístico legitimador do ideal burguês. O romantismo cingiu-se ao universo das relações burguesas e de forma alguma ultrapassou tais limites. Surgiu do conflito de um homem que pensava como indivíduo, livre, mas que não suportava o peso do isolamento e da solidão. Esse homem buscou nos sentimentos mais íntimos encontrar a resposta para o seu desespero, muitas vezes culminando na atitude derradeira dos românticos: a morte; representação máxima de seu instinto de criação, acolhido no sofrimento e dor de um indivíduo massacrado por uma realidade opressora . Alheio a qualquer ideal, entregou-se de corpo e alma ao propósito de infiltrar no seu mundo interior descartando toda e qualquer reflexão. Propôs um sentido metafórico à existência transportando-a a um nível transcendental, completamente figurado.

O romantismo pode ser comparado a uma epidemia (Goethe chegou a se referir sobre o movimento como sendo uma doença) que se alastrou desde o último quartel do século XVIII até meados do século XIX, fustigando o desespero dos sem causa, apenas amparados pelas suas emoções e sentimentos mais viscerais. Toda essa afecção da alma sustentou-se sob um conteúdo e significado de classes, elemento ideológico e resoluto papel legitimador da consciência burguesa. E não poderia ter se dado em bases diferentes, pois este o limite que delineou e direcionou a cultura do romantismo, conforme os interesses da nova aristocracia.

As condições que propiciaram o surgimento do romantismo nasceram de uma interação entre o poder burguês emergente e a atmosfera espiritual desse momento da história. Cabe lembrar que ele não se separa do contexto político-social em que está inserido, sob o risco de se dissociar do aspecto literário, o seu contorno histórico e equivocadamente produzir interpretações distorcidas, apenas pautadas em observações alegóricas e recalcadas, sem qualquer argumento criterioso capaz de elucidar e compreender a sua essência. Não passaria assim, o romantismo e seus idealizadores, de um grupo de piegas sentimentalistas sem propósito algum, vivendo apenas de uma mórbida e ridícula relação com o eu-interior - o que seria um engano medonho. O momento literário não se descompassa de sua contingência, por ser esta, engendrada de uma situação social que contém os elementos que o fundamentam.

Enfim, é das palavras de um historiador anônimo, o argumento definitivo na defesa e justificativa dessa conjunção ideológica: o romantismo "foi uma escola da burguesia, pela burguesia e para burguesia", que acima de tudo significou a consciência de um homem em seu tempo.

CAETANO PROCOPIO (18/1/99)