Total de visualizações de página

15 de abr. de 2009

SARTRE E O EXISTENCIALISMO

"A escolha que o homem faz de si mesmo identifica-se absolutamente com aquilo que se chama seu destino"


"Jean Paul Sartre está morto". Esta era a manchete estampada na capa do Caderno Ilustrada em 16 de abril de 1980.

Filosofo, escritor, dramaturgo, escreveu, aproximadamente, 15 mil páginas (cerca de 50 volumes) nos mais diversos gêneros. Morreu no dia 15 de abril de 1980.

Nascido em uma família de classe média parisiense no dia 21 de junho de 1905, notabilizou-se como o grande artífice da filosofia existencial em bases atéias.

Apesar dos círculos culturais "alternativos" tê-la transformado num modismo em meados do século, devido a grande popularidade atingida pela figura de Sartre, o epíteto “existencialismo” causou vigorosa repulsa nos mais amplos setores sociais: do "stablisment" aos comunistas. A igreja o consagrou como uma heresia chegando até mesmo a colocar o nome de Sartre no índex dos autores proibidos pela cristandade.

Opostamente aos ataques não só da igreja e dos legitimadores do sistema mas também do pensamento reformista e dos comunistas, a teoria existencial sartreana não acena ao individualismo nem mesmo ao pessimismo, pelo contrário, sua atitude é de completa ruptura com o sistema de dominação burguesa vicejando o limiar de um novo homem absolutamente livre e totalmente responsável por essa condição - é daí que se justifica o seu ateísmo e sua postura humanista radical.

Sartre acreditava na liberdade como uma condição intrínseca ao homem, entretanto, a via de uma forma concreta, limitada na condição humana. Para ele o ser nasce e somente depois é que se descobre como consciência, daí o sentido da expressão "a existência precede a essência", antes disso ele (o ser) não é nada, mas apenas uma possibilidade que irá se realizar.

Deste modo não há sentido em pensar numa natureza humana, pois, o homem, é sempre um projeto inacabado que vai se transformando conforme interage com os outros. O sentido dessa lógica existencial absurda é que ela emerge da gratuidade da existência e da necessidade do homem se justificar sem se prender a qualquer fator exógeno à sua condição de estar no mundo, tornando-o inventor da realidade, portanto, da sua própria essência e do ser. Da mesma forma que não se pode predefinir o homem, Deus é uma construção inútil, já que aquele, por ser o construtor de seu destino, não prescinde da existência deste.

Assim, cabe ao homem, uma vez que é o responsável pelo seu destino, escolher suas possibilidades: é ele, e somente ele, o responsável pela construção do mundo. Esta talvez seja a grande ousadia do pensamento sartreano, uma total e absoluta busca pela liberdade, que entrega ao ser a maior de todas as responsabilidades: a de construir a sua história, não mais presa ao individualismo mesquinho da sociedade burguesa, mas sim a uma escolha que ao mesmo tempo é individual e universal, conjugada na construção coletiva e solidária do mundo, proporcionando ao homem libertar-se de todas as formas de opressão e conformação, matando a Deus e a seus súditos na Terra e imprimindo uma ordem de conduta arraigada na reflexão irrestrita sobre o papel da conjuntura e suas efetivas implicações na consciência – mas sem esquecer o constante exercício de superação empreendido por esta, à medida que sugere a radicalização e a ação integrada dos indivíduos.

O existencialismo sartreano é uma ruptura com o pensamento tradicional. Significou um avanço nas discussões travadas no século XIX e o aprofundamento dos conceitos empreendidos pela filosofia existencial de Heiddger e da fenomenologia de Husserl. Exercitou o método dialético como um remédio ao positivismo e ao racionalismo: marcantes nas filosofias legitimadoras do sistema de dominação social instituído pela burguesia.

As idéias de Sartre tomaram um rumo determinante durante a 2ª guerra, deixando o conteúdo elitista de suas obras iniciais (que ele próprio assinalaria posteriormente); a traumatizante experiência vivida com a ocupação nazista criou um forte sentimento de cumplicidade com os outros e a necessidade pungente de uma fraternidade irrenunciável. Filosoficamente, no pós-guerra, caminhava nas imediações do marxismo. A conjunção só não era evidente aos olhos míopes dos comunistas, que presos ao oficialismo sectário imposto pelas II e III internacionais, execraram as idéias de Sartre associando-as à concepções estigmatizadas no subjetivismo burguês.

A adesão aos quadros do PC francês em 1952 lhe custou a amizade de velhos companheiros, entre eles, Merleau-Ponty, que a viam como uma inaceitável conformação às práticas totalitárias do stalinismo, impregnadas na estrutura dos partidos comunistas. A justificativa de Sartre era a de que o momento exigia empreender uma ação vigorosa e efetiva contra a ortodoxia liberal vigente. Mas em 1956, a invasão da Hungria pelos tanques soviéticos o precipitaram a romper com "O Fantasma de Stalin", sem, contudo, deixar de manter-se vinculado às teses marxistas.

Sua lucidez pôde ser posta a prova em todos os momentos da vida. Assumiu-se fruto de uma contradição, a de ser um filho rebelde da burguesia. Apesar de entender que essa contradição está na própria origem elitista do intelectual, no momento em que toma partido, não aquele para o qual foi recrutado, ele rompe, necessariamente, com as instituições que o forjaram, solidarizando-se, incondicionalmente, aos oprimidos. Ele, dessa forma, explica apenas exemplificando, a sua efetiva participação na questão argelina e nos incidentes de maio de 1968, como uma vigorosa reação à alienação e ao conformismo reinantes e apregoados pelas ideologias burguesas.

A longa trajetória desse grande pensador do homem contemporâneo reconstrói com louvor o precípuo papel dos intelectuais e ultrapassa os limites filosóficos determinado pelo positivismo e suas derivações. Pode-se resumir a postura militante que julgou fundamental a todos que assumem uma posição legítima frente à realidade, "é preciso ter as mãos sujas".

CAETANO PROCOPIO