Tenho cultura de enciclopédia! O que sei não vai muito além de apontamentos sobre alguns assuntos. Conhecimento de verbete.
Nem um enciclopedista consigo ser. Além do cabedal falta-me, principalmente, a fé cega na ciência, algo que Diderot e d‘Alembert possuiam até demais. Não à toa, no século XVIII, criaram o monumental “Dicionário Racional das Ciências das Artes e dos Ofícios”.
Quem me dera mesmo fosse como Jorge Luis Borges, notável ficcionista (e grande conhecedor de enciclopédias). Infelizmente não possuo a décima parte da inspiração do escritor argentino.
Resta resignar-me à condição de um mero generalista. Aquele que de tudo conhece um pouco, mas do pouco não sabe quase nada.
CAETANO PROCOPIO
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22 de mar. de 2007
12 de mar. de 2007
ADEUS, MENINOS!

É janeiro de 1944, Paris está ocupada por tropas alemãs. Numa estação ferroviária uma mãe se despede do filho, prestes a embarcar no trem que o levará ao interior, fora da zona de ocupação. O seu destino, um colégio carmelita para meninos de famílias ricas.
A cena faz parte das memórias do diretor francês Louis Malle. No filme “Adeus, Meninos”, o seu pseudônimo é Julien Quentin, um garoto de 12 anos que vive a angústia da separação familiar. Com a guerra, o convívio comum na capital torna-se insustentável. A fuga até a província, mais que um lenitivo, passa a ser uma necessidade iminente diante do perigo das constantes escaramuças entre as forças de ocupação e a resistência, além do mais, o ambiente aparentemente isento do convento lhe confere certa imunidade de possíveis ações beligerantes.
Mas a chegada no colégio após o retorno das férias não desperta qualquer alento. A educação monástica impõe um cotidiano austero, cheio de renúncias. O convívio com os colegas é quase sempre permeado por disputas pelos interesses mais comezinhos, que aguçam rivalidades e criam um ambiente hostil. Intrigas que tipificam muito bem o comportamento mesquinho e altivo da aristocracia francesa, refletido no espírito presunçoso de jovens privilegiados que apenas conheciam as rasas preocupações das suas convivências pequeno-burguesas, sem se aterem à crua realidade da guerra. A própria relação dos meninos com os serviçais denuncia a insuportável visão de classe de uma burguesia que se julga na condição de subjugar a todos aqueles que estejam abaixo de sua hierarquia social, como nas cenas em que o servente José é fustigado e humilhado pelos alunos. O desdém e a violência presentes nos menores atos e situações do cotidiano constituem uma medida da barbárie, em parte, infundidos nos costumes pela conivência dessa elite francesa que propalava o seu menosprezo pelos infortunados enquanto realizava sua adesão oportunista ao autoritarismo alemão.
Um garoto recém chegado chama a atenção dos demais, Jean Bonnet. Discreto e taciturno, mas extremamente inteligente, se torna alvo de hostilidades. Num primeiro momento o comportamento de Julien é idêntico aos dos demais colegas que o discriminam, principalmente por se dizer protestante. A eminência intelectual do novato lhe desperta ciúmes, só que Quentin começa perceber algo de estranho no relacionamento de professores, funcionários e diretores do colégio, que dedicam uma maior atenção ao colega. Depois de algum tempo acaba por compreender a razão dessa proteção quando descobre a origem judia de seu consorte, acolhido no colégio, juntamente com mais dois garotos, para não serem aprisionados pelos nazistas. Após a revelação, o pequeno Julien foi tomado por um sentimento de solidariedade e companheirismo. Aproximou-se de Bonnet resguardando a sua real identidade e tornando-se seu melhor amigo.
Outro personagem marcante é o diretor da instituição: padre Jean, uma figura estóica que crê numa educação rigorosa, pautada nos princípios essenciais da doutrina cristã como a resignação, a compaixão e a solidariedade com o próximo, para ele, as únicas formas de se construir uma justiça plena, capaz de resistir e combater as iniqüidades da guerra. O apelo moral é uma arma indelével e a compaixão, um exercício permanente, até mesmo com os inimigos, do contrário, os rancores jamais perecerão. A educação, além de ensejar o aprendizado e o enriquecimento cultural serve, essencialmente, para polir o espírito com valores humanitários, incompatíveis com o “éthos” burguês que prepara o indivíduo para ser um competidor voraz. Imbuído desse humanitarismo, decide acolher os meninos judeus e transformar o seminário numa espécie de quartel a serviço da resistência.
Malle conseguiu retratar de forma marcante, apesar da linguagem intimista, todo o viés que representou a divisão territorial do país. O Governo títere de Vichy gerou um enorme mal estar no moral dos franceses repercutindo muito além de uma mera questão geográfica. O servilismo diante dos invasores alemães feriu o orgulho nativista e transformou-se numa incômoda mácula no seio da história nacional. Há uma cena bastante ilustrativa no filme: Quentin juntamente com Bonnet e seu irmão, numa visita da mãe, almoçam num restaurante quando são subitamente surpreendidos por soldados franceses numa revista de rotina. Ao se depararem com um senhor judeu resolvem expulsá-lo do recinto. Imediatamente se inicia uma oposição à presença dos colaboracionistas, apesar da complacência de franceses solidários ao regime. O incômodo foi tamanho que os soldados acabaram sendo expulsos do local por um pequeno grupo de oficiais alemães, quase apóstatas, que se embriagavam em uma das mesas.
A história possui seu ponto culminante quando a desgraça se abate sobre o colégio. Uma denúncia feita pelo ex-empregado José, demitido por facilitar o câmbio negro entre os alunos, revela às autoridades nazistas a permanência de garotos judeus entre os demais. O convento é invadido e soldados realizam buscas até que os meninos israelitas são descobertos. Padre Jean é preso. Os seus destinos agora estavam selados pelos inquisitores: a morte nos campos de concentração de Awshivitz e Mauthasen.
Após as prisões os algozes determinaram o fechamento do colégio. Uma última inspeção é realizada. É um dia frio, os meninos perfilados no pátio são chamados um a um para se identificarem frente ao agente da Gestapo. Nesse ínterim Padre Jean e os três garotos surgem conduzidos por soldados através do átrio até a saída. Os alunos, agora não mais presos às suas frivolidades se despedem em coro do seu preceptor. Do presbítero ouve-se um lúgubre Adeus. E Quentin, como num lamento, dá um derradeiro aceno ao amigo Bonnet.
O doloroso final nos desvela a esperança nas lágrimas de Julien: uma virtude no coração dos homens e a quimera de que um dia esse sentimento nos possibilite um mundo de verdade.
CAETANO PROCOPIO
2 de mar. de 2007
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