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23 de jan. de 2009

A BALADA NÚMERO UM DE CHOPIN

O jovem Wladyslaw Szpilman senta-se defronte ao piano.

Está maltrapilho, sedento, faminto, tísico.

Em uma casa quase em ruínas, começa tocar a Balada número um de Chopin para o Capitão alemão Wilm Hosenfeld.

A 2ª Guerra já está nos estertores: a Polônia, às portas da desocupação alemã e Varsóvia, praticamente destruída.

O judeu Wladyslaw havia passado os últimos anos fugindo da morte e ali, escondido no meio de escombros, depara-se com o suposto algoz.

Mas ao invés da morte, ele reencontra o seu piano.

O capitão Hosenfeld não o aniquila, ao contrário, o acolhe.

Pouco tempo depois, os russos libertam Varsóvia e Hosenfeld é preso.

Permanece na prisão até morrer em 1952.

Com a musica de Chopin, se deu a salvação de um.

O militar alemão não foi o verdugo do refugiado judeu.

Não cumpriu o destino que a história tragicamente havia lhe reservado.

Chopin poderia ter sido a salvação de ambos.

Mas os fatos assim não quiseram.

Numa guerra nunca há completamente vencedores e vencidos.

Apenas sobreviventes.

CAETANO PROCOPIO

5 de jan. de 2009

O CONDENADO

O ônibus estava vindo, mas custei a levantar-me. Estava cansado. Meu dia tinha sido péssimo. Enquanto ele não vinha, pois estava parado no semáforo, perguntei-me o que iria fazer quando chegasse em casa.

Nesse mesmo momento apareceu um senhor do nada. Ele caminhou até a mim e disse: “Jovem idiota, digno de pena!”. Andou mais um pouco e voltou. Olhando de soslaio, novamente me interpelou: “Sua vida é lastimável! Você é o reflexo do mundo em ruínas que você ajudou a construir. Sua alma está morta! Vai pro inferno seu tolo!” E continuou andando em linha reta, sem olhar para trás. Parecia uma cena de filme.

Eu estava sozinho no ponto. Olhei para os lados, meio sem graça, e parei o ônibus. Cheio como de costume, procurei um lugar onde pudesse me escorar. No trajeto, fiquei observando as pessoas e lembrando das palavras daquele velho louco. Uns ouvindo música, outros mexendo nos celulares, poucos lendo livros... E todos procuravam se entreter com alguma coisa. Isso me fez refletir sobre a forma como eu vivo. E percebi que o velho andarilho, que disse aquelas palavras aparentemente desconexas, tinha certa razão. Quantas coisas me conduzem em rebanhos e confundem-me no meio das multidões. Será que existe um mundo capaz de isolar cada indivíduo, para que sozinhos possamos entender o significado de nascer, consumir, procriar, consumir mais, mais... e por fim morrer? Diante dessa vida miserável eu poderia chorar por toda a eternidade. Bom, ficar pensando sobre isso me fez descer dois pontos depois do meu. Tive que andar bem mais.

Tudo quanto eu fazia de inútil nesta vida subiu-me à garganta e só tive um pensamento: chegar logo em casa para tentar dormir. E minha morada era uma pequena cela em um presídio que eu insistia em chamar de casa. Afinal, eu morava ali. Cumpria pena por assassinato. Não gostava de morar ali. Entretanto, eu havia matado minha alma. Sou um assassino que matou, com requintes de crueldade, a própria alma. Eu era um condenado. E aquele senhor, de alguma forma, sabia disso.

Sozinho, trancado no escuro, eu procurava me embebedar da escuridão. Sabia que no outro dia, logo pela manhã, tinha que trabalhar para amenizar minha pena. De acordo com as leis dos homens, o trabalho enobrece a alma. Mas a minha esta morta, pensei. Por que ainda tenho que trabalhar? E mesmo assim eu era obrigado a cumprir essa lei. Afinal, tinha que continuar vivendo. Era covarde demais para por um ponto final em tudo.

Nunca tive lembranças de nada. E agora estava atormentado com as palavras de um velho andarilho. Sempre procurei disfarçar meu crime. Procurava sorrir quando as situações pediam. Mas nunca me preocupei com os problemas do mundo. Nem com que os outros pensavam. Isso era fato. Quando ouvia algo sobre o mundo, fingia entender, mas no fundo eu não dava a mínima importância. E achava muito chato ouvir alguém comentando algo que pensava entender, por ter lido em algum jornal ou assistido no noticiário. Eu não lia jornais, não assistia TV.

Você só percebe que sua alma está morta quando nada mais tem importância. Tudo fica no automático. Sem questionamentos, sem motins e nem revoltas. A única coisa que realmente importa para um corpo sem alma é a santa trindade do capitalismo: dinheiro, poder e consumo, uma coisa levando a outra.

Sete horas da manhã ouço alguém gritar meu nome: “Acorda Sr. Willian Razo!” Levantei e fui encontrar com a rotina. E ela insiste em me ludibriar com a idéia de enriquecer com o próprio trabalho. Mais uma vez finjo que acredito.

Ao final do dia, novamente estava no mesmo ponto de ônibus. Ansioso para encontrar novamente aquele velho maldito. Queria entender como ele sabia que eu era um sem alma. Mas ele não veio. Talvez eu nunca mais o veja. Sei lá! A única verdade é a de que eu realmente sou um condenado.

Mais tarde, naquele mesmo dia, encontrei um livro na minha cela. Nele havia um marcador com a seguinte frase: “O Homem não tem corpo distinto da alma. O que chamamos de alma nada mais é que uma parte do corpo.” Depois de ler isso me veio a cabeça a expressão “morto-vivo”. Era isso. Eu era um morto-vivo como tantos outros espalhados pelo mundo. Todas essas circunstâncias fizeram-me entender o meu crime, cujo remorso eterno, o mais cruel e funcional dos castigos, eu já carregava comigo. Eu ainda estava vivo, condenado a viver morto-vivo.

VANDERSON PIRES