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24 de out. de 2023

UMA LUTA FRATRICIDA

             A convivência entre judeus e palestinos nem sempre foi marcada por conflitos. Mais do que um problema com raízes religiosas, as tensões entre os dois povos é um fenômeno relativamente recente, com origem nas conturbadas relações políticas do século XX.

 

Depois da dispersão promovida pelos romanos no Século II, comunidades judaicas, que acabaram sob domínio árabe devido à expansão do islamismo a partir do século VII, eram toleradas pelo regime dos califas. A guerra santa propunha uma conquista pela fé sem que os dominados fossem massacrados, como ocorreu durante as cruzadas, pelas forças dos exércitos cristãos.

 

A semente da discórdia foi plantada com o início do movimento sionista entre os séculos XIX e XX. O retorno dos judeus à palestina passou a ser visto pelos árabes como uma ameaça quando os propósitos das nações hegemônicas do ocidente (EUA, França, Inglaterra) começaram a prevalecer na constituição de um estado judeu. Com o final da 1ª Guerra Mundial, o Oriente Médio se viu livre do controle turco passando a ser administrado pela França e pela Inglaterra. A mal sucedida experiência britânica no controle da palestina acabou sendo “compensada” com a criação de Israel, que se viabilizou como uma espécie de farol da política estadunidense na região.

 

A proposta da ONU de divisão da palestina em dois estados, um judeu e outro palestino, nunca se efetivou. Em 1948, Israel surgiu como nação, consolidando-se com o decisivo apoio dos norte-americanos. Os palestinos eram a maioria que habitava o território, mas com as migrações em massa de judeus principalmente fugidos da Europa devido as perseguições, muitos acabaram expulsos de suas terras para países vizinhos e os que permaneceram se transformaram em refugiados dentro de sua própria casa.

 

Não se deve confundir a aspiração judaica que almejava o retorno à “terra prometida” (conforme tradição de antiga crença hebraica) após séculos de diáspora, com a doutrina sionista de construção de um país amparado por uma concepção nacionalista e militar, excludente dos palestinos. A estes, reduzidos à condição de párias, não há qualquer perspectiva e a violência brutal contra sua população explorada, fomenta o ódio que impele grupos armados como o Hamas a agirem também de forma sanguinária. Ao mesmo tempo, essa lógica macabra retroalimenta o discurso justificador da dominação israelense, fortalecendo grupos políticos ultraconservadores ainda que, representados pelo bastante desgastado primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

 

O ataque desferido pelo Hamas é apenas mais um capítulo nesta longa batalha que dura mais de sete décadas. Agora, Israel volta todas suas armas contra a população palestina sob o pretexto do combate ao terrorismo, mas o que de fato a história revela é a completa incúria acerca da real situação dos palestinos, absolutamente excluídos desde o plano divisor proposto pela ONU. Após o nascimento de Israel a ocupação acabou tacitamente aceita pela comunidade internacional. Jamais foram tomadas medidas concretas para garantir a autonomia territorial palestina, nem mesmo a adoção de represálias contra os massacres israelenses a eles impostos.

 

Neste momento, a escalada do conflito não permite que o passado longínquo de convívio possa novamente ser resgatado. Imprescindível que Israel cesse as ações militares e desocupe os territórios pondo fim ao horror, entretanto, não é esta a perspectiva que se delineia no horizonte. Além da apatia global em condenar as ações israelenses, os EUA e as principais nações europeias declararam apoio a Israel. Os governos estadunidenses sempre se valeram da incondicional defesa dos israelenses, tendo-os como fortes aliados de suas políticas intervencionistas na região.

 

Enquanto as ações de Estado estiverem decidindo o destino das populações envolvidas seguirá o banho de sangue, principalmente palestino. Não há como falar em uma paz verdadeira para todos. Esta só será viável quando figuras como Joe Biden e Benjamin Netanyahu fizerem parte da história que um dia o mundo deverá apagar.

 

 

                                                                  CAETANO PROCOPIO

1 de out. de 2023

FEITIÇO


 Celular, carro ou outro objeto qualquer

 O deleite em adquiri-los, satisfação que logo se sacia

 A ânsia de obter sempre mais, desejo incontrolável

Viver para consumir e não o contrário

 É o movimento incessante das coisas que nos conduz

 Alimenta ansiedade, frustração

 Tomados pela lógica concorrencial somos individualistas, egoístas e competidores

 Ao invés de genéricos, comunitários e solidários

 O triunfo do mercado com seu discurso totalizante, totalitário

 Que dissimula suas mazelas como se fossem alheias às próprias determinações

A ciência, limitada pela realidade de classes, sujeita-se a estas contradições

 Iludida com a cantilena do “fim da história”

 Seduzida pelo feitiço das mercadorias

 

 

CAETANO PROCOPIO

1 de set. de 2023

MUNDO EM TRANSE

 Um planeta em tensão permanente

 Crises social, política, econômica, bélica, climática

 Conflitos que irrompem de um modo de vida desenfreado

 Urdido pelo movimento alienado do mundo

 Vivemos compelidos por este transe

 Sem a compreensão de “si”

 Sem saber o destino

 É o ritmo que nos impele e, displicentemente, o aceitamos

 Mais cômodo segui-lo, deixa-lo fluir

 Ausentarmo-nos das consequências

 E justificarmo-nos como consciências ocas

 De uma existência pueril e que remete à tragédia

 No fundo, somos uma paráfrase sartriana:

 meio vítimas, meio cúmplices

CAETANO PROCOPIO

6 de jul. de 2023

A CASA DOS ECOS

 No habitat solitário, o silêncio perdura

Alguns sons interrompem seu transcurso

O espaço, as paredes, nas surdas respostas, denunciam o vazio

Uma casa ausente nem mais serve às lembranças

Seus cômodos vagos estão imersos no esquecimento

Parecem dizer: é preciso partir!

Buscar um novo lugar e seguir os dias

Para poder recordar o que foi vivido

E viver o que for preciso.

CAETANO PROCOPIO                                                  



25 de jun. de 2023

A LÓGICA DA RAZÃO INSANA

 

Quando o liberalismo econômico se utilizou dos conceitos de John Locke para fundamentar as relações de reprodução da vida material, havia um sentido norteador. Smith e Ricardo tinham nos direitos naturais uma pedra angular justificadora do mundo que se avizinhava.

 

Este novo universo trazia uma fabulosa transformação no modo de vida das pessoas que poderia superar todo passado sombrio de escassez e privações. As lutas incessantes e vitoriosas pela obtenção da riqueza já não mais se concentravam nos poucos nababos com brasões, relegando a massa à dominação e mera sobrevivência. Agora, os indivíduos não tinham mais seus destinos orientados por uma revelação divina e o mais comum dos mortais também estaria apto para concorrer à fortuna e à acumulação.

 

Adam Smith acreditava que esta nova perspectiva individual e concorrencial traria prosperidade. Uma dinâmica revolucionária que acabaria por atingir a todos. A humanidade nascente apreendia a si e superava as “trevas” através do livre jogo do mercado. Um outro horizonte se abria com amplas possibilidades a todos, um progresso jamais visto inevitavelmente levaria os “homens” a outro patamar de desenvolvimento. A produção de bens não estava mais limitada às vicissitudes da natureza e novas necessidades surgiram.

 

As mudanças em marcha inspiraram um otimismo e uma fé absoluta no conhecimento. A verdade revelada pela ciência e a história condenaria os homens ao perpétuo avanço, o destino enfim seguiria a luz da civilização. Entretanto, tal sorte se mostrou real apenas para uma parcela dos viventes, já que à margem desta explosão havia os infortunados que expropriados dos negócios, somente tinham a oferecer sua força de trabalho. A estes, os ventos não soprariam favoravelmente e a vida não lhes reservaria grandes conquistas. Mas muito pior, ao sul do globo, onde o espírito empreendedor não se deu sob auspícios do iluminismo e sim com o estampido das armas e o uso corriqueiro da violência. O domínio colonial explicitou todas as contradições de uma universalidade que só se realizaria no discurso teórico, na prática seriam reproduzidas e intensificadas formas de exploração anteriores. A realidade não deixou de refletir os anseios de uma classe social que define seus paradigmas, sua hegemonia e molda os parâmetros da sociabilidade segundo suas aspirações e objetivos.

 

Neste sentido, a lógica imperante é a da mercadoria porque através dela que se da a finalidade deste processo: o lucro! A dicotomia da reprodução capitalista se materializa em um enorme dinamismo na produção de bens ao mesmo tempo que a utilização não se dá de forma igualitária, exatamente pelo seu funcionamento paradoxal exigir uma intensa circulação das mercadorias mas também a necessidade de extração de valor do trabalho para produzi-las, ou seja, quem produz não se beneficia do que produz e a desigualdade jamais deixou de existir no plano real mas mistificada pela identificação ideológica dos direitos naturais consagrados na sociedade civil moderna. A democracia, assim, se torna uma espécie de  altar da contemporaneidade, onde seus termos estão afastados de qualquer questionamento concreto, definidos formalmente em diplomas legais garantidos como normas jurídicas comuns, regularizam a convivência entre os cidadãos, mesmo que estes tenham profundas diferenças materiais. A abundância e opulência de poucos se normalizam frente a carência de muitos, como sendo algo natural que se estrutura nas relações.

 

Desta forma, perde-se o sentido ético do convívio uma vez que todo sistema produtivo não se dá em razão das reais necessidades humanas, mas sim como elemento de valorização do capital, o verdadeiro processo controlador da objetividade e definidor da subjetividade. Tomemos aqui um exemplo singelo para ilustrar a questão: imaginemos o consumo de ovos. Desnecessário discorrer sobre sua utilidade, por ser um alimento  consumido até mesmo em escala mundial. A considerar que existam amplas regiões do globo onde ainda haja fome, por qual razão um produtor deste insumo deixaria de fazê-lo devido ao encerramento de suas atividades por ter atingido a situação de falência? Pelo fato de não ser o seu valor de uso (necessidade) essencial para sua produção, mas sim o seu valor de troca (mercado). Por mais que exista a premência por determinado produto, se uma empresa não conseguir eficiência negocial para auferir lucro, seu destino é a extinção! É este o significado fundamental que irá definir sobre a viabilidade ou não de um determinado bem continuar ser produzido.

 

Portanto, desmascarado um dos mitos dos apologistas do mercado, pois a  eficiência deste apenas ocorre quando a alocação de recursos se faz urgente para garantir primeiramente a acumulação e os desejos do “pobre” consumidor acabam se convertendo em mero elemento participativo do processo, mas o estímulo ao individualismo hedonista é imprescindível naquilo que garanta a permanente circulação das mercadorias. A volúpia consumista se torna imperativa para garantir a sobrevivência deste sistema.  Assim, uma civilização que apesar da produção da abundância convive com a profunda escassez de parcelas da população global está fadada a agonizar e a se barbarizar. Sua ética irrefutável é a da competição, que impede a convivência genuinamente solidária e exige a primazia da vida privada na qual as questões individuais/familiares se tornam soberanas, ou seja, o patrimônio ocupa o centro de toda dinâmica pessoal e o contato com os outros acaba se revelando apenas um detalhe dentro deste vórtice.

 

O único mundo possível que se vislumbra é o de crises intermináveis (sociais, econômicas, climáticas, sanitárias etc) mas que nas suas gêneses possuem um dínamo comum: o modo de reprodução social do capitalismo. Sua superação está na ordem do dia como alternativa de sobrevivência da própria humanidade, já que todas as instabilidades vividas possuem, no seu âmago, suas determinações e não há espaço onde reine equilíbrio ou paz duradouras, mas tensões e conflitos promovidos pelo seu movimento permanente de expansão. A finitude do mundo contrasta com a necessidade do contínuo crescimento, na busca incessante por recursos naturais exploráveis que irão despejar uma infindável quantidade de produtos no mercado, mas que nunca servirão para garantir o bem viver de todos.

 

Esta realidade é, na sua essência, alienada porque definida por um movimento que escapa dos propósitos humanos e, por isso, independe destas determinações. Não há panorama, dentro da esfera das relações vigentes, que possa transformá-las, suas orientações aceitam unicamente a convivência privada e o espírito competitivo, ao arrepio da igualdade material entre as pessoas, imperativa para que as individualidades floresçam substantivamente.

 

O desenvolvimento capitalista permitiu a emancipação da humanidade que se viu livre do pleno jugo à natureza, ao mesmo tempo que revolucionou a produção de bens em escala jamais vista na história, também germinou contradições insolúveis por sua reprodução ter como fundamento, a própria autovalorização. Não há como corrigi-lo porque esta sua lógica mais elementar. A única possibilidade é superá-lo para juntamente com ele sepultar este modo de vida insano.  

CAETANO PROCOPIO

20 de jan. de 2023

PRIMAVERA TARDIA

As flores amarelas que sempre surgiam em setembro

Brotaram no inusitado dezembro

Junto com um inverno intempestivo

Chuva, frio, vento, ao invés do sol e do calor abrasadores

A natureza parece aturdida com tempos tão tenebrosos

O estranhamento das estações coincide com a convergência de convicções

Dias de delírio defronte quartéis

Transformados em templos patrióticos

Onde devotos se aglutinaram em louvores (entre hinos e orações) por intervenção

Não houve a Revelação pela farda

A turba terminou sem o “capitão”

E a horda profanando, destruindo

A rebelião sem razão

Hoje se o clima não encontra mais seu sentido

Menos ainda nossos patrícios

  

CAETANO PROCOPIO