Total de visualizações de página

10 de dez. de 2021

NOSSO TEMPO

 Tempos insólitos

 De devastação virótica e sectarismo pandêmico

Em minhas mãos, um fio muito tênue que se perde no horizonte

Noto algumas pessoas com este mesmo fio, ele parece nos levar a um lugar comum

Que ainda não é possível vê-lo, está adiante, não sei exatamente onde

Nossa única alternativa, o encontro do ser humano com a humanidade

No momento perdida na retórica de um mundo de representações

Se por enquanto não temos uma história é porque ela está escondida em alegorias

Somos meros transeuntes no mundo das coisas e nossa vida se resume a persegui-las

Vivemos sob o movimento dos objetos, por isso não temos a realidade

A verdade é deles, o livro da humanidade nem começou a ser escrito

Como já foi dito, a história dos homens um dia ainda precisará ser contada

CAETANO PROCOPIO

17 de out. de 2021

O ÉBRIO: UMA AUTOBIOGRAFIA INCOMPLETA

https://www.instagram.com/ricardocruz70/
 

Neste momento ecoam as palavras de um ébrio recalcitrante que busca no álcool uma fuga à obsolescência do nosso modo de vida insano. Quero esclarecer que inexiste uma redundância no que disse acima porque não quero ressaltar a condição de um mero “bêbado teimoso”.

 

A tenacidade no ato de beber (ébrio) seria por uma impossibilidade psicológica de assimilar o dicionário competitivo do modelo neoliberal-empreendedor; o adjetivo recalcitrante remete unicamente à contínua incapacidade anímica de um filho modesto e rebelde da  classe média, que na situação de ser um arremedo de burguês, também jamais conseguiu aflorar um “éthos” plenamente revolucionário (talvez o pecado original do petismo). Vejo-me um marxista fracassado que nas palavras de Bernard Shaw, diria: és apenas um “socialista antissocial”.

 

Não nasci ébrio, nem ébrio me tornei! Ébrio estou e se no passado já estive, foi por um deleite pequeno-burguês ou até mesmo por incompletude da psique (em idade mais tenra bebia para não ter que fugir ao banheiro ou me esconder debaixo das mesas dos bares quando alguma garota se aproximava de mim).

 

“O ébrio” de hoje é mais complexo porque devastado por perdas e incapacidades, enxerga desesperadamente a necessidade de um novo mundo de relações em que as pessoas de fato sejam os sujeitos dos afetos, não os objetos que as circundam.

 

Mas ciente de que isto não esteja em um plano imediato ou até mesmo mediato, ainda assim sou incapaz de assumir uma postura (prática) radical, exceto através das palavras, que, de certa forma, auxiliam na escassez volitiva e ao menos servem de lenitivo às aflições.

 

“O ébrio” sonha com a humanidade porque a realidade é desumana.

 

 

CAETANO PROCOPIO

 

25 de set. de 2021

SETEMBROS NEGROS

https://www.instagram.com/ricardocruz70/

 
Marx, em o XVIII do Brumário de Luis Bonaparte, afirmou que a história acontece duas vezes, a primeira como tragédia e a segunda como farsa. Acredito que esta seja  uma alegoria elementar para se conhecer o processo histórico. Mas  analisemos o sentido da afirmação dentro de uma perspectiva nacional. No Brasil as peculiaridades históricas se não chegaram a subverter a previsão marxiana, ao menos a adaptou. Tragédia e farsa se confundem no mesmo roteiro.

O que interessa aqui são acontecimentos peculiares ao mês de setembro. O momento mais notório nos pouco mais de cinco séculos de nosso ingresso na vida “civilizada”, é o 07/09/1822, a data da independência, que o simbolismo da historiografia brasileira nunca reservou algo além de um apego ao plano patriótico ufanista. A “libertação” nos “curou” de Portugal, mas não das relações e das estruturas que os portugueses deixaram, essencialmente, um legado de desigualdade e violência acobertado pelo manto das transformações (colonia-imperio-república) que formalizamos em uma “democracia”. Imiscuímos tragédia e farsa em um ponto comum.

O fim do período colonial não trilhou um ambiente renovado que pudesse desvelar um “projeto (autóctone) de país”, ao contrario, as mazelas deixadas pelo “pacto metrópole-colônia” sempre atuaram no sentido de impedir qualquer ensejo emancipatório. As elites aqui nascidas conseguiram se perpetuar mantendo os nexos coloniais.

A era Vargas até conseguiu atenuar este quadro, mas nenhum governo após 1930 propiciou um ambiente político estável capaz de implementar medidas que pudessem garantir um amplo programa de desenvolvimento nacional. Com o golpe de 1964 soterrou-se qualquer possibilidade de um “projeto desenvolvimentista” e a democracia brasileira revelou seus verdadeiros “pés de barro”.

 Mas o que tudo isto tem a ver com setembro, tragédia e farsa? Sem acreditar em destino ou mesmo algum significado cabalístico, creio que a História do Brasil comungou tragédia e farsa em um grau superlativo, até o desatino de, três decadas depois de “gestada” a “Nova República”, o país conseguir eleger Presidente da República alguém totalmente afinado com  os argumentos e as práticas do regime pós-1964.

Sem perder “o fio da meada” e trazer à memória que nossos “setembros negros” (tragédia e farsa) se encontraram novamente em 06/09/2018, com o insólito incidente da facada no ainda candidato à presidencia, o episódio praticamente ajudou definir a eleição.

Três anos depois, em, 07/09/2021, nas ruas de várias cidades, a “apoteose” burlesca, o nosso arremedo do XVIII do Brumário (e do Luis Bonaparte). A tragédia de 1822 e a farsa de 2021 estão no espelho e se reconhecem. No pano de fundo contrapondo-se a este cenário, a mera verborragia expressa nos discursos dos oportunos protetores das instituições e defensores recorrentes da democracia, com a mesma e repetida retórica acaciana.

Recentemente as lembranças me trouxeram o refrão de uma musica muito conhecida nos primórdios da hoje moribunda “Nova República”: “Brasil, mostre a tua cara!”. Ela sempre esteve à mostra. Somente mudou sua maquiagem.

CAETANO PROCOPIO

21 de ago. de 2021

SILENCIO

 Tenho me dedicado pouco a escrever

 Menos ainda sobre futebol

 Há tempos não discorro sobre a bola que tanto apreciei

Nem mesmo de seus grandes protagonistas que partiram

Recordo-me um dia ter aludido sobre a morte de Puskas

Eusébio, Cruyff, Maradona, Paolo Rossi, Gerd Muller se foram em silêncio

Mas hoje, é o proprio futebol quem vislumbro estar agonizando

Estadios vazios, ou insanamente habitados pela alienação daqueles que se negam enxergar

Coliseus modernos, outrora de efusivas celebrações, agora arenas surreais

O futebol perdeu o sentido porque as pessoas se perderam em um mundo em decomposição

 A tragédia, nem nos atentarmos disto

 Quando nenhuma palavra pode ser ouvida

 Só o silêncio é possivel

  

CAETANO PROCOPIO

14 de ago. de 2021

MELANCOLIA

 Vivo a tristeza,

 fúnebre,

 plúmbea.

Dias difícieis,

 pela mais desoladora ausência

 e pela moléstia que abate todos nós.

 Não é virótica!

A doença do mundo é humana!

Sensações que compartilho em desalento.

Não sou um brado de socorro,

apenas uma constatação:

é preciso seguir o tempo que nos resta

 e imaginar um dia,

mesmo que não o vivamos,

poderá ser humano.

CAETANO PROCOPIO

23 de jul. de 2021

VIDA E MORTE SUDESTINA

 Não sei se seria possivel a paráfrase poética.

 Mas dias atrás ao assistir a um vídeo humoristico no youtube,

 a burlesca apologia ao designativo genérico nordestino.

 Não tive como não me reportar ao grande João Cabral.

 Para os sudestinos apenas uma depreciação: severino.

Que com o seu trabalho árduo e mal remunerado garantiu a riqueza e a soberba sudestina.

 Transfiguradas no trágico existencial do Brasil,

 que atravessou desde a colônia, o império até a república.

 Nem a nova república mudou,

 muito menos o que veio depois.

 Até chegarmos à eleição do “capitão”,

 ungido da aura de salvador!

 Que triste história,

 grande parte contada por sudestinos.

 No fundo,

 esta vida sudestina,

 é a morte de todos nós!

                                                                                CAETANO PROCOPIO

30 de abr. de 2021

CAPITALISMO PANDEMICO

 

O capitalismo atingiu no século XX a sua etapa superior, a que Lenin havia previsto quando abordou o que seria a fase imperialista. Os moldes do estado de bem-estar social trouxeram os anos dourados da explosão fordista: maior acesso a bens de consumo, melhores condições de trabalho e salários, mas o idílio de aproximadamente 3 décadas acabou e o final da centúria mostrou-se um período de agonia.

 

O sonho do liberalismo vencedor profetizado por Fukuyama nos anos 1990, principalmente com o fim do socialismo real representado pela queda da URSS, durou pouco. Quando o século XXI se abriu, o foco das tensões e contradições havia deixado o palco da guerra fria para se deslocar no mapa geopolítico ao oriente muçulmano.

 

Iniciada a segunda década do século XXI, a utopia liberal, escorada na reprodução capitalista, agora sob controle do capital financeiro, apresenta um perfil cada vez mais autoritário. O seu alvo principal: as relações de trabalho. A precarização, engendrada na década dos anos 90, avança de forma fulminante em praticamente todo o globo, mas aqui na “periferia do sistema”, num ritmo avassalador intensificado ainda mais pela pandemia da Covid-19.

 

No Brasil, a década de 1980 trouxe a redemocratização, que na oportuna visão do saudoso Florestan Fernandes, a definia como sendo uma “transição transada”. O fim do regime militar apenas criou uma aparência de mudança, que já na década de 1990 começou a dar sinais de que, no fundo, nada havia mudado. A estrutura social brasileira continuou intacta, ou seja, um país que combinou democracia política com ampla desigualdade.

 

Um efetivo processo de desmonte estatal e redução dos direitos trabalhistas (tanto no setor público quanto no privado) se empreendeu durante os governos oriundos da “Nova República”. Mesmo nos anos de Lula e Dilma, o PT manteve incólume este modelo, minimamente abrandado pelo incremento nos programas assistencialistas.

 

Com a queda de Dilma em 2016, Temer, e posteriormente Bolsonaro, aceleram as medidas de diminuição do Estado e acentuaram a “informalização” do trabalho, confirmando aquilo que estudiosos, como Ricardo Antunes, têm denominado “uberização” das atividades, lançando milhões de trabalhadores às mais insidiosas condições de subemprego.

 

E a tragédia brasileira ainda encontrou um novo dínamo: a Covid-19. O flagelo da pandemia potencializou a barbárie nacional. Além das centenas de milhares de mortos até o momento, milhões sobrevivem a duras penas diante de um governo que desdenha da sua população, com os escassos valores de auxílio emergencial, jogada à sorte, seguindo a rotina de trabalho diário nas ruas sem que tenha um mínimo de amparo. Trabalhadores que, impossibilitados de permanecerem em casa, na tentativa de não sucumbirem à miséria, acabam sendo obrigados enfrentar o risco constante de infecção e de morte pelo coronavírus.

 

A resistência às medidas de isolamento social mostra a face perversa do capital, que coloca a vida como um elemento subjacente às necessidades da economia. As mortes pela Covid-19 não são apenas o reflexo da ação virulenta do patógeno, mas principalmente um produto nefasto das próprias relações capitalistas e do seu modo de vida insano.

 

A falácia de que as atividades econômicas não suportam as medidas de “lockdown”, fundamentais para se frear as contaminações, é facilmente desmascarada. Basta imaginarmos as I e II guerras mundiais, quando haviam restrições de locomoção e toda atividade produtiva se voltou aos insumos bélicos, assim como ao estritamente necessário à manutenção das pessoas.

 

Se a produção se reajustou às premências da realidade, por que neste momento em que estamos em confronto com um vírus, a economia não poderia muito bem se reorganizar e até mesmo suprimir atividades? A resposta parece clara, entretanto, a sobrevivência da humanidade não é relevante, tanto quanto a manutenção das taxas de crescimento capazes de garantir a constante circulação de mercadorias para que o capitalismo possa se manter.

 

Apesar de o mundo digital assegurar formas eficazes de consumo não presenciais, ainda assim a sobrevivência do capital necessita que as pessoas permaneçam transitando pelas ruas. E o Brasil bolsonarista da falta de solidariedade é um exemplo exponencial do que foi visto em todo o planeta: a transformação das mortes pela Covid-19 em mera estatística.

 

O título da obra de David Harvey, “A loucura da razão econômica”, é cabal para definir este mundo da “pós-modernidade” e, no fundo, nos orienta a refletirmos que tipo de sociabilidade almejamos: uma legítima centrada nas verdadeiras necessidades humanas ou a forma alienada e fugaz dos nossos consumos diários?

 

Não foi a Covid-19 que promoveu esta profunda crise planetária. O coronavírus apenas fez escancarar a normalidade doentia de um modelo de reprodução social que é em si a real pandemia.

                                                                 

CAETANO PROCOPIO