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25 de fev. de 2007

UMA MORTE ANUNCIADA

Assaltantes no Rio de Janeiro rendem uma mãe e roubam-lhe o veículo. Ao tentar sair do automóvel, seu filho, o pequeno João Hélio não consegue se livrar do cinto de segurança e fica preso do lado de fora. Em fuga, os criminosos arrastam o menino por vários quilômetros. O corpo termina dilacerado.

Um crime brutal! Uma morte anunciada. Poderia não ser exatamente o menino, mas qualquer outro, ou até mesmo um de nós. O mundo mais parece um morticínio. Mata-se em todo lugar pelas mais diversas razões, ou mesmo por nenhuma.

A história moderna reservou o termo civilização para aquelas sociedades que de certa forma serviram de bagagem à cultura do ocidente: gregos, romanos e por último, bizantinos. Os iluministas introduziram a idéia de progresso como via salvadora da humanidade. Só que as coisas não caminharam da forma como eles pensaram. A modernidade não conseguiu por fim às contradições trazidas do passado. E hoje, ao mesmo tempo que elevamos sobremaneira as potencialidades do saber com a novíssima tecnologia da informação, continuamos matando com a crueldade típicas dos antigos povos mesopotâmicos. O dito mundo livre mantém um pé nos anos 2000 DC e o outro em 2000 AC.

Por onde quer que andamos, a morte nos espreita. Estamos acostumados com a sua presença. Os noticiários a narram com a naturalidade de um fato corriqueiro. As vezes até nos indignamos com ela, mas apenas quando não aceitamos algumas de suas facetas, como no caso do menino João Hélio. Só que bastam umas semanas, a ira cessa e voltamos à rotina da indiferença.

Morremos por antecipação, arrastando nossos corpos por este mundo. Quando o horror se torna um hábito, não há mais possibilidades para a civilização. O corpo ainda sobrevive, mas a alma, rota e moribunda, deixa de suspirar e sucumbe. O homem sem essência não passa de “um cadáver adiado”.

CAETANO PROCOPIO

12 de fev. de 2007

A TRISTEZA DE PIAZZOLLA

“Adios Nonino”, a homenagem de Piazzolla ao pai.

No canto soturno do seu bandoneon,

seus acordes vão muito além.

Piazzolla toca a tristeza do mundo.

Porque a tristeza é sempre um pouco de cada um.

Esse sentimento tão vívido na alma platina,

nas notas de Piazzolla,

nos parece o mesmo desalento.


CAETANO PROCOPIO

6 de fev. de 2007

CARTA PARA UM AMIGO

É meu amigo, a morte passa onde existe o medo. E o medo... a vida. E a vida... Por que as pessoas querem viver tanto? Viver, procriar, acumular... são ações tão comuns que, em nenhum momento pára-se para pensar: 'Navegar é preciso, viver não é preciso'. Eu não anseio o acúmulo dos anos. A terrível somatória das ações. Não! Para que? Volto a citar Borges, 'todos seremos parte do esquecimento, a tênue substância de que é feito o universo'. A vida só se procria por meio da arte, seja ela escrita, cantada, pintada, tocada, enfim, a arte contra a verdade destruidora da vida sem sentido. Só ela merece viver.
Sempre procurei fazer arte. Já rimei as ocasiões, toquei a minha revolta, tatuei as minhas marcas, transformei em filme meus pensamentos, fiz poesia... enfim, tenho a arte como a minha maior arma contra mim mesmo. Contra o tempo e suas marcas, contra a hipocrisia de todos. Faço arte para continuar a existir. Reinvento a todo momento minha forma de ver o mundo e as coisas. E a cada minuto vejo aquilo cujo tamanho é proporcionalmente igual aos meus pensamentos. E me faço grande em um mundo tão pequeno.
Estou vestido de branco, descalço. Caminho dentro de um enorme lamaçal e tenho que chegar ao seu fim... limpo! Para isso conto com a ajuda de várias forças da natureza. Pedi a elas que em protegessem. Um grupo de muito grande de formigas revestiu o meu corpo, tornando-o impermeável. Para abrir caminho conto com a ajuda do vento, que sopra com a ira de um tufão. Às vezes paramos um pouco. Afinal, precisamos descansar. As formigas são muito agitadas, mas elas gostam de me ouvir falar. Conto-lhes histórias que aprendi com os livros. Mas para elas, o que realmente importa é a minha companhia. Os livros, para as formigas, são apenas comida. Elas adoram celulose. Mas acho que convenci algumas a buscar outras fontes de alimento. Para isso exemplifiquei que os livros são, de fato, alimento, mas não da vontade fisiológica, mas sim vida. Confesso que a maior parte delas não deu a mínima para mim. Mas ainda gostam de me ouvir falar.
Já o vento é ativo demais. Não pára nunca. Mas ele já conhece todas as minhas histórias e me respeita por continuar a contá-las.
Geralmente nossa pausa dura uma semana, no mínimo. Caminhamos direto apenas duas ou três horas. Não temos pressa. Nem queremos chegar logo. Fazemos apenas o que gostamos de fazer, afinal somos livres. Nosso único problema é a lama. Mas sempre a ignoramos e para nós é como se ela não existisse. Sabemos que há uma grande diferença entre as massas. E sabemos respeitar essa condição.
Tem dias que não tenho vontade de contar nenhuma história. E nesse dia as formigas procuram criar algo para me mostrar. E assim trocamos muitas idéias, porque sei que não dependo delas para me fazer ouvir e nem elas dependem de mim para existir. Por isso somos completos e temos uma missão. Trata-se de mais uma missão qualquer. Como todas aquelas que as pessoas acham que têm na vida. A nossa é apenas atravessar um lamaçal vestidos de branco e com os pés descalços.
E a arte nos consola.

VANDERSON PIRES