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15 de nov. de 2008

VELÓRIO EM COMUM

Cansados de uma vida desinteressante, simplesmente morreram. Ninguém soube como se deu o passamento. Aparentemente não houve motivo, explicação. Apenas se foram. Não acreditando em vida após a morte, desapareceram sem deixar ao menos que alguém tivesse a perspectiva romanesca de que eles ficariam saboreando do além a curiosidade alheia em seus velórios.

Embora próximos, com os mesmos conhecidos, a movimentação foi diferenciada nas capelas onde ficaram os corpos. Um velório, discreto, reuniu alguns familiares, amigos, professores e o cachorro – agora sem dono – que teve livre acesso à sala principal e permaneceu ao pé da mãe do defunto. O pesar era profundo, mas com pouco choro. Ao outro, disputado, compareceram os familiares, 14 tios, 49 primos, 4 avós e uma bisavó; as mulheres de sua vida, cerca de 75, também apareceram; foi um reencontro de antigos distantes – quase uma festa com direito a carpideiras. Velórios diversos para existências diferentes.

Mas o fim é algo unívoco, pois ele iguala tudo, converge todos a um ponto comum, reduzindo existências distintas ao mesmo banquete para os vermes. Os fins nunca justificaram os meios. Maquiavel jamais disse o contrário. Os meios não precisam de um fim: se auto-justificam nas próprias ações. O viver não busca nada além de si próprio, ele quer apenas ser livre, verdadeiro, não a ilusão de felicidade que deforma nossas diferenças em interesses que só nos propicie o deleite da vida material.

E assim, a morte do dia-a-dia, ainda que apenas simbólica, lhes fez o bem de descansarem da falta de sentido das coisas, dos comentários sobre suas carreiras profissionais, da comparação. Os semblantes tornaram-se serenos como só ficavam depois de uma conversa etílica de bom gosto com amigos.

CAETANO PROCOPIO
MARCELO TEIXEIRA

Um comentário:

Douglas Dias disse...

Muito bom!!!! Gostei da descrição do velório em comum. E o cão - agora sem dono - o que deve ter achado do ocorrido?

Abraços!!