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7 de mar. de 2015

AMERICA LATINA E GLOBALIZAÇÃO

Os centros decisórios do capitalismo sempre relegaram à América Latina um papel coadjuvante (ou, mais apropriadamente, subordinado) no contexto econômico mundial. Fragmentada principalmente pela herança caudilhista, ela sempre foi um alvo exposto à ganância insaciável dos impérios coloniais. Essa interferência intensificou-se consideravelmente a partir da segunda metade do século XIX, com a corrida expansionista dos mercados recém "industrializados", que, longe de romper com as velhas estruturas coloniais, serviu de arrimo para novas formas de exploração.

As transformações produzidas pela ordem globalizada estão muito distantes de arrematar  "imperfeições" cristalizadas pelo desenvolvimento capitalista desde o mercantilismo . A globalização vem agindo de modo implacável na periferia do sistema capitalista. Mas, invés de trazer benefícios, como sustentam os seus pontífices, ela tem promovido o agravamento das diferenças sociais, a estagnação econômica, a dependência externa, o desemprego. Os resultados ainda são prematuros, mas as lacunas deixadas por essa receita já resumem o quão perniciosos são seus efeitos.

A integração latino-americana - mesmo quando vista sob os limites do Mercosul - não confirma uma carta de intenções em prol de interesses comuns. São evidentes que as regras do jogo estão definidas além dessas fronteiras, prevalecendo os interesses de blocos econômicos que representam as nações hegemônicas, e que fixam os limites da integração dos mercados do cone sul: é a união destas economias com fulcro de fortalecer os rentáveis negócios daqueles, aqui   instalados.

As grandes corporações transnacionais ocupam vastos espaços dentro de economias debilitadas por sangrias crônicas. No Brasil, o bloco de sustentação política do Presidente Fernando Henrique Cardoso está a serviço daquelas: representa o furor de forças "neoliberais" que atropelaram as modestas conquistas sociais obtidas com a abertura democrática na década de oitenta. A constituição de 1988 nem mesmo chegou a ser plenamente regulamentada e já sofreu os reparos que tanto aclamavam nossas elites. Mudanças que viabilizam a assimilação inconteste do repertório dos programas de ajuste monetário e financeiro elaborados pelo FMI e pelo BIRD para a América Latina: abertura incondicional da economia, principalmente, ao capital especulativo externo, privatizações definidas sob condições amplamente desfavoráveis ao interesse público nacional e a adoção de medidas recessivas e antipopulares para a manutenção da estabilidade monetária.

O discurso liberal, quando levado à realidade dos países latino-americanos, é dissimulado e contraditório. Serve, única e exclusivamente, de arrimo para perpetuação da dominação "neocolonial". Não existe nação rica que o tenha praticado nos moldes como é defendido, por exemplo, aqui no Brasil. Simplesmente nossos "paradigmas da modernidade", com uma inexorável vocação empresarial, querem ampliar seus lucros, agora não mais escorados no Estado, mas sim riscando cada vez mais a sua interferência na vida social e passando tais encargos à iniciativa privada, que como bem disse Noan Chomsky, "não presta contas a ninguém".

Os meios de comunicação de massas (grandes representantes desses interesses) inoculam na opinião pública a idéia de ineficiência do estado, como se não fosse a própria estrutura de poder a responsável pelo seu sucateamento. As elites sempre o utilizaram a seu bel prazer, transformando-o num instrumento de favorecimento à concentração da riqueza.

No momento em que o capital financeiro expande-se e forma conexões globais, as nações cada vez mais privam-se de capacidade para implementar políticas autóctones. Essa perda de autonomia, transportada para a situação latino-americana torna-se ainda mais aguda, uma vez que ela, pela própria contingência histórica, se processa duplamente: no nível dos Estados e no nível da divisão internacional do trabalho.

O liberalismo (na sua atual versão financeira) encontra terreno fértil na América Latina. A sua expansão está intimamente relacionada à capacidade de ingerência dos agentes do capitalismo internacional. Associadas a eles, estão grupos oligárquicos locais que detém o poder regional concedendo a necessária cobertura jurídica e o salutar apoio político, de forma a bloquear toda iniciativa que se oponha a essa poderosa organização institucional, constituída a partir de um conluio  entre capital externo monopolizado e estado (des)nacional dependente.

O continente (nas décadas de 60 e 70) tornou-se um alvo exposto a experiências políticas atrozes - fruto das mentes mórbidas de ditadores nascidos nas alcovas do imperialismo e que o transformaram em quintal dos interesses (principalmente) norte-americanos. Hoje, essa influência apesar de prescindir do aparato militar institucionalizado não deixou de lado seus aspectos perversos, principalmente através da ação de órgãos como o Pentágono, que utiliza o poder da economia dos EUA para infligir o livre trânsito de famigerados organismos financeiros.

É através da simbiose com as altas esferas das burguesias locais que o capitalismo monopolista concentra o seu ponto de apoio, interferindo diretamente nas questões de estado e submetendo aos seus domínios, as decisões políticas mais importantes, pulverizando qualquer iniciativa contrária às suas pretensões.

A subordinação da América Latina à nova roupagem do capitalismo não é um fenômeno recente. As sociedades que nela se formaram nasceram da aventura ultramarina dos impérios luso e espanhol, que nos idos do século XV lançaram-se na conquista de novos domínios mercantis. A história tratou de guardar certas "sutilezas" do apogeu mercantilista, herdeiras do antigo colonialismo europeu, cuja superação exige a completa ruptura com o ideal erigido pelo descobrimento.

A globalização está muito longe de propor isso, menos por ser um projeto inacabado, mas, etiologicamente, representar uma consecução (ainda que distante) do despotismo esclarecido, só que agora sob os auspícios incondicionais do mercado total.

CAETANO PROCOPIO

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