Os centros decisórios do
capitalismo sempre relegaram à América Latina um papel coadjuvante (ou, mais
apropriadamente, subordinado) no contexto econômico mundial. Fragmentada
principalmente pela herança caudilhista, ela sempre foi um alvo exposto à
ganância insaciável dos impérios coloniais. Essa interferência intensificou-se
consideravelmente a partir da segunda metade do século XIX, com a corrida
expansionista dos mercados recém "industrializados", que, longe de
romper com as velhas estruturas coloniais, serviu de arrimo para novas formas
de exploração.
As transformações
produzidas pela ordem globalizada estão muito distantes de arrematar "imperfeições" cristalizadas pelo
desenvolvimento capitalista desde o mercantilismo . A globalização vem agindo
de modo implacável na periferia do sistema capitalista. Mas, invés de trazer
benefícios, como sustentam os seus pontífices, ela tem promovido o agravamento
das diferenças sociais, a estagnação econômica, a dependência externa, o
desemprego. Os resultados ainda são prematuros, mas as lacunas deixadas por
essa receita já resumem o quão perniciosos são seus efeitos.
A integração
latino-americana - mesmo quando vista sob os limites do Mercosul - não confirma
uma carta de intenções em prol de interesses comuns. São evidentes que as
regras do jogo estão definidas além dessas fronteiras, prevalecendo os
interesses de blocos econômicos que representam as nações hegemônicas, e que
fixam os limites da integração dos mercados do cone sul: é a união destas
economias com fulcro de fortalecer os rentáveis negócios daqueles, aqui instalados.
As
grandes corporações transnacionais ocupam vastos espaços dentro de economias
debilitadas por sangrias crônicas. No Brasil, o bloco de sustentação política
do Presidente Fernando Henrique Cardoso está a serviço daquelas: representa o
furor de forças "neoliberais" que atropelaram as modestas conquistas
sociais obtidas com a abertura democrática na década de oitenta. A constituição
de 1988 nem mesmo chegou a ser plenamente regulamentada e já sofreu os reparos
que tanto aclamavam nossas elites. Mudanças que viabilizam a assimilação
inconteste do repertório dos programas de ajuste monetário e financeiro
elaborados pelo FMI e pelo BIRD para a América Latina: abertura incondicional
da economia, principalmente, ao capital especulativo externo, privatizações
definidas sob condições amplamente desfavoráveis ao interesse público nacional
e a adoção de medidas recessivas e antipopulares para a manutenção da estabilidade
monetária.
O discurso liberal,
quando levado à realidade dos países latino-americanos, é dissimulado e
contraditório. Serve, única e exclusivamente, de arrimo para perpetuação da
dominação "neocolonial". Não existe nação rica que o tenha praticado
nos moldes como é defendido, por exemplo, aqui no Brasil. Simplesmente nossos
"paradigmas da modernidade", com uma inexorável vocação empresarial,
querem ampliar seus lucros, agora não mais escorados no Estado, mas sim
riscando cada vez mais a sua interferência na vida social e passando tais
encargos à iniciativa privada, que como bem disse Noan Chomsky, "não presta contas a ninguém".
Os meios de comunicação
de massas (grandes representantes desses interesses) inoculam na opinião
pública a idéia de ineficiência do estado, como se não fosse a própria
estrutura de poder a responsável pelo seu sucateamento. As elites sempre o
utilizaram a seu bel prazer, transformando-o num instrumento de favorecimento à
concentração da riqueza.
No momento em que o capital
financeiro expande-se e forma conexões globais, as nações cada vez mais
privam-se de capacidade para implementar políticas autóctones. Essa perda de
autonomia, transportada para a situação latino-americana torna-se ainda mais
aguda, uma vez que ela, pela própria contingência histórica, se processa
duplamente: no nível dos Estados e no nível da divisão internacional do
trabalho.
O liberalismo (na sua
atual versão financeira) encontra terreno fértil na América Latina. A sua
expansão está intimamente relacionada à capacidade de ingerência dos agentes do
capitalismo internacional. Associadas a eles, estão grupos oligárquicos locais
que detém o poder regional concedendo a necessária cobertura jurídica e o
salutar apoio político, de forma a bloquear toda iniciativa que se oponha a
essa poderosa organização institucional, constituída a partir de um
conluio entre capital externo
monopolizado e estado (des)nacional dependente.
O continente (nas
décadas de 60 e 70) tornou-se um alvo exposto a experiências políticas atrozes
- fruto das mentes mórbidas de ditadores nascidos nas alcovas do imperialismo e
que o transformaram em quintal dos interesses (principalmente)
norte-americanos. Hoje, essa influência apesar de prescindir do aparato militar
institucionalizado não deixou de lado seus aspectos perversos, principalmente
através da ação de órgãos como o Pentágono, que utiliza o poder da economia dos
EUA para infligir o livre trânsito de famigerados organismos financeiros.
É através da simbiose
com as altas esferas das burguesias locais que o capitalismo monopolista
concentra o seu ponto de apoio, interferindo diretamente nas questões de estado
e submetendo aos seus domínios, as decisões políticas mais importantes,
pulverizando qualquer iniciativa contrária às suas pretensões.
A subordinação da
América Latina à nova roupagem do capitalismo não é um fenômeno recente. As
sociedades que nela se formaram nasceram da aventura ultramarina dos impérios
luso e espanhol, que nos idos do século XV lançaram-se na conquista de novos
domínios mercantis. A história tratou de guardar certas "sutilezas"
do apogeu mercantilista, herdeiras do antigo colonialismo europeu, cuja
superação exige a completa ruptura com o ideal erigido pelo descobrimento.
A
globalização está muito longe de propor isso, menos por ser um projeto
inacabado, mas, etiologicamente, representar uma consecução (ainda que
distante) do despotismo esclarecido, só que agora sob os auspícios
incondicionais do mercado total.
CAETANO PROCOPIO
Nenhum comentário:
Postar um comentário