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4 de nov. de 2007

O LEVIATÃ

Hobbes define a essência humana como sendo uma condição brutal em que os homens, levados por instintos individuais, cultivam a beligerância contra os outros. A defesa de suas paixões mais viscerais é um conflito perene que estabelece uma relação de rivalidade com os demais. Somente a presença onipotente de um poder despóstico que suprima esse estado original seria suficiente para corrigir o caráter hostil desse “homem natural’.

Rousseau atacou duramente a função totalitária do pensamento hobbesiano, definindo uma razão mais generosa ao espírito humano. Mas a vida em comum ressalta algumas diferenças imanentes entre as pessoas, que podem perverter a sua “natureza benigna’. Ao contrário de Hobbes, acreditava no contrato social como forma de legitimar um sistema político baseado na igualdade civil.

Hobbes justificou o absolutismo inglês dos idos de 1600. Rousseau foi um apóstolo dos ideais democráticos que tão marcadamente caracterizaram a concepção do mundo burguês após o século XVIII. A preocupação em definir uma ética condizente com a ação política é um exercício que sempre fascinou a tradição filosófica.

Não há como predefinirmos o homem em categorias estanques (“bom” ou “mau”), pois, ele é um ser em permanente mutação e o sentido dos seus atos depende das escolhas que faz a todo instante. No momento, parece que o contrato social está a beira da falência, moribundo. Impossível suprimirmos nossas diferenças sem que tenhamos que demolir por inteiro as bases em que se assentam a sociedade civil. Mas antes do seu fim, nos deixa um legado sórdido que surge de suas entranhas como um leviatã poderoso e incontrolável. Esse monstro que nos apavora se realimenta da própria fúria, num processo cíclico de recriação. Quanto mais nos barbarizamos mais nos desumanizamos nos transformando em seres individualizados e vazios.

O contrato social degenerou-se num leviatã muito mais tenebroso do que aquele definido por Hobbes, mostrando-se inviável numa realidade em que a igualdade jurídica não passa de retórica. Em um mundo permanentemente desigual, as diferenças tendem alimentar uma resistência ao argumento de que a democracia nos assegura um destino comum. Necessitamos recriar nossa essência através de uma ética universal, solidária. Um caminho em que enfim aceitemos nossa condição de cumplicidade com os outros.

CAETANO PROCOPIO

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