O conceito de modernidade
originou-se a partir dos valores instituídos e adotados pela “civilização
ocidental”. Os acontecimentos que precipitaram a revolução francesa de 1789 são
imprescindíveis para compreensão do mundo atual. O liberalismo econômico só
pode ser justificado sob a óptica da iniciativa individual: ele enxerga o
direito de propriedade como uma necessidade natural do homem.
Aos olhos dos
iluministas, a liberdade só pode ser compreendida levando-se em conta a ação
humana no plano individual, exatamente por descartarem-na como um valor
universal. Ela não só encontra fatores de auto-supressão, mitigada pelo
desenvolvimento debilitado de suas energias potenciais, como também se dilui
numa perpétua iminência de equidade que jamais se concretiza abortada pelas
fronteiras intransponíveis da "livre iniciativa". O reconhecimento da
propriedade como um direito imprescritível, a resguarda apenas aos que a detém.
Se necessário, o Estado recorre ao seu aparato repressor para mantê-la,
garantindo o regime de exclusão – pedra angular do desenvolvimento moderno.
Inexiste a garantia de propriedade aos despossuídos. Estes não possuem o
direito de reivindica-la, apenas de servi-la. Ela está legitimada em
fundamentos jurídicos-legais que a tornam inviolável, e todo esforço no sentido
de transgredi-la reverte na violenta contra-reação dos poderes instituídos.
Marx dissecou profundamente as relações de classe e as implicações da
propriedade nessas relações. Concentrou sua exegese na denúncia da apropriação
privada dos meios de produção social como mola propulsora da exploração dos
trabalhadores e o instrumento de formação e manutenção do capital.
A liberdade individual
define-se intrinsecamente nos domínios da propriedade, aquela só existe se esta
não for objeto de oposição. A burguesia imprescinde justificar o mundo segundo
sua conduta: é a necessidade de se fazer universal sem de fato sê-la, uma vez
que quando vê o homem, apenas enxerga o burguês. Para os críticos refratários
ao conceito de democracia burguesa, a liberdade extrapola as proposições
estanques dos tratados enciclopédicos, e seu conteúdo abandona o campo
político-ideológico para confundir-se com a práxis. Ela aperfeiçoa-se para
livrar o homem das peias que o afligem, tornando-o espelho da própria vontade,
sem limites objetivos, mas necessariamente na consciência.
A tão decantada
globalização não é estandarte de um mundo livre. O seu receituário mister
apagar os resquícios da fase doméstica e concorrencial do capitalismo e viabilizar
o domínio irrestrito dos oligopólios internacionais sob a égide financeira (Chesnais),
escorados no apelo indelével do livre cambismo e do monetarismo
vitorioso. Na atual etapa evolutiva do capitalismo, o Estado perdeu a sua
função primitiva de suporte dos mercados nacionais. Agora esses conglomerados
são um poder acima dos Estados, reduzindo a pó tudo aquilo que não lhes
interessa e agindo como única opção soberana do planeta.
A concentração da
riqueza gera intolerância e barbárie. Retrato de sociedades em colapso,
radicadas num modo de vida opressivo e desumano. A violência é a marca
registrada de uma civilização pautada na competição desenfreada por posições e
privilégios de toda espécie.
Num mundo em que prevaleçam relações verdadeiramente humanizadas (e solidárias), a propriedade perderá a sua razão de ser por tornar-se um valor ubíquo. Não haverá por que preservá-la, uma vez que todos passarão a usufruí-la. Ela destituir-se-à de sua essência original e desaparecerá no contexto. A supressão da propriedade privada a que Marx sempre se referiu é no sentido de libertá-la dos elementos formadores do capital, consequentemente, da finalidade especulativa e geradora do lucro. Fora dessa função ela não mais existe, ou melhor, não mais precisa ser definida uma vez que se torna um preceito comum.
O cosmopolitismo não se
resume a novas facilidades de consumo. Ele representa um conjunto de ações que,
necessariamente culminam no porvir da sociedade de classes. O desenvolvimento
tecnológico por si só não significa uma solução para as mazelas humanas, pois,
a sua forma de inovar multiplica os problemas gerados pelas contradições do
sistema produtivo. Tornar o mercado um fenômeno cada vez mais integrado e
uniforme é projetar seus entraves locais em escala global. A tendência natural
é a de rechaçar tudo aquilo que estiver em desacordo com a sua progressão,
provocando atritos ainda maiores onde, por força das condições históricas por
ele mesmo criadas, as suas disposições não acompanham o movimento da vanguarda.
O traço característico
deste final de século, indubitavelmente, é o autoritarismo disfarçado na
ortodoxia neoliberal, o que revela o caráter antinômico da democracia. Se por
um lado o livre jogo das forças do mercado é o responsável pelo progresso vertiginoso
das ciências e das técnicas, ele também responde pelo abismo aberto entre os
povos.
Enquanto continuarmos indulgentes com os apologistas do "mercado livre" não avançaremos rumo a uma sociedade pautada no respeito mútuo e na solidariedade. Ao mercado só vale mesmo a proposta do "quem pode mais chora menos". Não há como domesticá-lo, suas urgências e sua lógica transformadora estão orientadas no sentido da expansão do lucro, seu único e derradeiro objetivo.
Enquanto continuarmos indulgentes com os apologistas do "mercado livre" não avançaremos rumo a uma sociedade pautada no respeito mútuo e na solidariedade. Ao mercado só vale mesmo a proposta do "quem pode mais chora menos". Não há como domesticá-lo, suas urgências e sua lógica transformadora estão orientadas no sentido da expansão do lucro, seu único e derradeiro objetivo.
A burguesia tomou o
lugar que na idade média fora da Santa-Sé e assumiu os destinos da humanidade.
Substituiu o poder da fé pelo fetichismo da mercadoria (sem deixar de
aproveitá-lo), assim como, a base da exploração do trabalho que de servil
passou a assalariado. As mesmas forças contraditórias que instituiram o império
do capital trazem no seu interior os elementos que um dia irão destruí-lo.
O capitalismo, como bem
disse Marx, é o seu próprio coveiro. (JAN/1999)
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